Prisão de depositário infiel pode ser substituída por pena alternativa, seja pela natureza do crime ou pela índole da pessoa que cometeu o delito. O entendimento é da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes converteram a prisão da sócia da Padaria e Confeitaria Oba Oba em prestação de serviços comunitários.
A 50ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a panificadora a pagar verbas e indenizações a um ex-empregado. Como a dívida não foi liquidada, o juiz da vara determinou a penhora de bens, que foram mantidos no local por serem necessários ao funcionamento do negócio, sob responsabilidade dos proprietários.
O oficial de Justiça da 50ª Vara esteve no endereço da empresa, por duas vezes, para levar os bens a leilão, mas os equipamentos já não estavam mais no local. O juiz qualificou a atual proprietária da padaria como depositária infiel e determinou a sua prisão.
Detida, a empresária entrou com pedido de Habeas Corpus no TRT paulista. Ela sustentou que os bens estavam desgastados e corroídos pelo uso contínuo, o que impediria o leilão, e que a empresa ainda funcionava, embora em outro endereço. Ela também invocou o Pacto de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil, que veda a prisão civil.
Inicialmente, o juiz do TRT-SP Nelson Nazar concedeu a liminar, determinando, provisoriamente, a liberdade da sócia da panificadora.
No julgamento do mérito do pedido de Habeas Corpus, a juíza Maria Aparecida Duenhas, relatora, observou que a empresária, “depositária dos bens penhorados não se desincumbiu fielmente do encargo, pois deixou de apresentá-los ao juízo quando instada a fazê-lo”. Para a juíza, “nesse quadro, é absolutamente legítima a ordem de prisão, pois a paciente assumiu a posição de depositária infiel, passível, assim, de prisão”.
“O moderno Direito Penal, entretanto, repele o afastamento do cidadão do convívio social quando esta medida não se faça necessária, seja pela natureza do crime que se visa a punir, seja pela própria índole da pessoa que delinqüiu. É por isso que o Código Penal, no artigo 43, permite a aplicação de penas alternativas, restritivas de direito, como substitutivas das penas privativas de liberdade, como a prestação de serviços à comunidade”, explicou a relatora.
Por maioria de votos, a SDI acompanhou o voto da juíza Maria Aparecida Duenhas, mantendo a pena de prisão pelo prazo máximo de um ano, convertendo-a, contudo, em prestação de serviços à comunidade junto à Apae — Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais “ou qualquer outra entidade similar no bairro de Itaquera, local do domicílio da paciente, nos serviços que lhe forem determinados, durante oito horas semanais, de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h36”.
HC 10823.2005.000.02.00-5
Leia a íntegra da decisão
HABEAS CORPUS
IMPETRANTE: ATILA AUGUSTO DOS SANTOS
IMPETRADO: Ato do MM Juízo da 50ª VT de São Paulo
PACIENTE: MARCIA PIERROTTI LOPES
DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO. PENA ALTERNATIVA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DO ALCANCE SOCIAL DA MEDIDA
O moderno Direito Penal repele o afastamento do indivíduo do convívio social quando esta medida não se faça necessária, seja pela natureza do crime que se visa a punir, seja pela própria índole da pessoa que delinqüiu. É por isso que o Código Penal, no art. 43, permite a aplicação de penas alternativas, restritivas de direito, como substitutivas das penas privativas de liberdade, como a prestação de serviços à comunidade, cabível também nos casos de prisão administrativa. Ordem que se nega, convertendo-se a pena restritiva de liberdade, contudo, em pena restritiva de direito, mediante prestação de serviços comunitários.
ATILA AUGUSTO DOS ANJOS, qualificado na inicial impetra o presente habeas corpus em favor da paciente Marcia Pierrotti Lopes, contra ato do Excelentíssimo Juiz da MM 50ª Vara do Trabalho de São Paulo, alegando que a paciente, após prestar serviços como empregada, foi admitida como sócia da executada, assumindo, nessa ocasião, o compromisso de depositária fiel dos bens constritos, de uso contínuo e fundamentais para o funcionamento da empresa (panificadora), o que os torna suscetíveis de desgaste natural e corrosão. Diz, ainda, que a empresa continua em funcionamento e que os bens penhorados ainda estão no local, não havendo por que manter a ordem de prisão da paciente. Invoca o Pacto de São José da Costa Rica e sustenta a inconstitucionalidade dessa ordem, aliás já cumprida. Requer, liminarmente, a expedição de alvará de soltura e, a final, a concessão definitiva da medida.
Com a inicial vieram aos autos os documentos de fls. 12/38.
Submetido o feito à apreciação da Excelentíssima Juíza Presidenta deste Tribunal, esta requisitou informações da autoridade reputada coatora, determinando, ainda, a urgente distribuição do presente (fls. 38).
A fls. 42 foi concedida a liminar, para determinar o sobrestamento da ordem de prisão, com a expedição do competente alvará de soltura. A autoridade impetrada prestou informações (fls. 49/51)
Parecer da D. Procuradoria Regional a fls. 54/56, pela rejeição do pedido, com a revogação da liminar.
Relatado.
V O T O
De acordo com as judiciosas informações da MM Autoridade apontada como coatora, a paciente, depositária dos bens penhorados à panificadora denominada Padaria e Confeitaria Oba Oba Ltda., em processo de execução trabalhista promovido pelo ex-empregado João Felix da Silva Neto, não se desincumbiu fielmente do encargo, pois deixou de apresentá-los ao Juízo quando instada a fazê-lo.
Nesse quadro, absolutamente legítima a ordem de prisão, pois a paciente assumiu a posição de depositária infiel, passível assim de prisão.
O moderno Direito Penal, entretanto, repele o afastamento do cidadão do convívio social quando esta medida não se faça necessária, seja pela natureza do crime que se visa a punir, seja pela própria índole da pessoa que delinqüiu. É por isso que o Código Penal, no art. 43, permite a aplicação de penas alternativas, restritivas de direito, como substitutivas das penas privativas de liberdade, como a prestação de serviços à comunidade. No caso, segundo regramento do art. 44, as condições dão as seguintes:
As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
Como foi posto no art. 46:
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.
Tratando-se, porém, de prisão administrativa, possível ao juiz, atendo ao princípio da razoabilidade e do alcance social da solução alvitrada, arbitrar a pena alternativa, que é estabelecida tendo como paradigma a previsão do referido art. 46.
Diante disso, concluo ter se caracterizado a situação de depositário infiel (CF. art. 5º, LXVII), razão pela qual casso a ordem de habeas corpus deferida liminarmente (fls. 42) para manter a pena de prisão, observando-se o prazo máximo do art. 652 do Código Civil, à vista do período já cumprido pela paciente (fls. 32 e 45). Entretanto, converto a pena restritiva da liberdade em pena restritiva de direitos, mediante prestação de serviços à comunidade, consistente na atribuição à condenada de tarefas gratuitas junto à APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais ou qualquer outra entidade similar no bairro de Itaquera, local do domicílio da paciente, nos serviços que lhe forem determinados, durante oito horas semanais, de 2ª a 6ª feira, das 7:00 às 8:36 horas.
ISTO POSTO, considerando o que mais consta dos autos, nego o pedido de habeas corpus, mantenho a pena de prisão, que, entretanto, converto em pena restritiva de direito, mediante a prestação de serviços comunitários, nos termos dos fundamentos.
É como voto.
Maria Aparecida Duenhas
Juíza Relatora Designada
TST - abril de 2006
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