juiz do Trabalho aposentado, advogado em Recife (PE), professor universitário, mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
A Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, que consubstancia a Reforma do Judiciário – cujo projeto foi parcialmente votado pelo Congresso Nacional, restando para apreciação e deliberação alguns pontos mais polêmicos -, contém importantes medidas que poderão contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional em nosso País, objetivando modernizar e tornar mais eficientes a estrutura do Poder Judiciário e a do Ministério Público, facilitar o acesso dos cidadãos aos órgãos judiciários e agilizar a tramitação dos processos.
Além disso, institui mecanismo hábil para que se efetive em nosso meio a aplicação dos tratados internacionais que consagrem os direitos humanos, com sua rápida integração no ordenamento jurídico brasileiro, na qualidade de emenda constitucional. E estabelece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, mediante sua adesão ao tratado que o instituiu. Tais disposições representam um passo avançado para lograr mais célere e eficiente inserção do Brasil na comunidade internacional – como assinalou o Ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça – e afirmação de compromisso do Estado brasileiro de concorrer para a punição e prevenção dos crimes de competência daquela Corte (os denominados crimes contra a humanidade), o que vem ao encontro da salvaguarda dos direitos humanos na esfera internacional.
Dentre os órgãos do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho é, provavelmente, o mais atingido pela Reforma. Especificamente, porque: a) é ampliada consideravelmente sua competência material; b) a composição do Tribunal Superior do Trabalho é elevada de 17 para 27 membros, recuperando-se a existente antes da EC 24/99, que extinguiu a representação classista no âmbito da Justiça laboral; c) institui-se a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, que terá, dentre outras, a função de regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; d) cria-se o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, para exercer a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonial de seus órgãos de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante; e) prevê-se a criação de Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, que ensejará a efetivação das decisões condenatórias de natureza pecuniária, com inestimável benefício para os trabalhadores e prestígio para a Justiça do Trabalho.
A par dessas medidas, sem dúvida positivas, surge entre os operadores do direito a preocupação com a imensa responsabilidade advinda para a Justiça do Trabalho com a extensão de sua competência "ratione materiae". Como se sabe, tal competência era assaz restrita, pois se circunscrevia, basicamente, às causas pertinentes aos litígios oriundos da relação de emprego e, só excepcionalmente (na forma da lei), abrangia outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.
Agora, o art. 114 da Constituição, com a alteração introduzida pela EC/45, estendeu essa competência para diversas outras matérias, ao concebê-la para todas as ações que versem sobre relação de trabalho em seu amplo sentido, compreendendo-se nelas um vasto elenco de relações contratuais de direito civil.
Isso implica aumento considerável de feitos a cargo da Justiça do Trabalho, que, a nosso ver, ela não tem estrutura suficiente para suportar. Por outro lado, não há perspectiva de acréscimo do número dos órgãos judiciários trabalhistas, com a presteza que a situação requer e a Constituição impõe (art. 93, XIII, com a redação dada pela EC 45/2004). Além disso, os juízes do trabalho receberão inúmeros pleitos de natureza civil, cuja solução exigirá deles reciclagem no campo do direito civil – notadamente em matéria de contratos -, pois sua formação jurídica é especializada em direito do trabalho.
Outro problema com que se defrontarão os juízes do trabalho é o atinente ao processo. A respeito, vem a questão: no tocante às ações fundadas em contratos de direito civil, qual o procedimento a adotar – o trabalhista, ou o comum? Em sendo o do trabalho (como recomenda o TST através da Instrução Normativa nº 27, de 26.2.05), aplicar-se-á o princípio de proteção de uma das partes, que preside o processo trabalhista – no qual o alvo da proteção é o empregado, por ser ele, pela própria natureza da relação empregatícia, hipossuficiente? E, nesse caso (relação contratual de direito civil), como aquilatar a hipossuficiência?
Até que se consolide a jurisprudência quanto às ações que se situam no âmbito da competência material da Justiça, teremos longas discussões doutrinárias e pretorianas, rendendo ensejo a entendimentos contraditórios, o que concorrerá para retardar a solução dos feitos trabalhistas.
Diante desse quadro, de dificuldades e limitações de ordem operacional, consideramos, data vênia, de bom alvitre que não se propugne por uma interpretação extensiva dos dispositivos do art. 114 da CF/88, que inclua na competência da Justiça do Trabalho as "causas que sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo", em conformidade com a liminar deferida em 28.1.05 pelo Presidente do STF, Min. Nelson Jobim, na ADin nº 3395, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE); nem ações referentes a litígios decorrentes de contratos civis entre pessoas jurídicas que tenham por objeto prestação de serviços, ou ações fundadas em relações de consumo.
Isso porque os juízes do trabalho têm a seu cargo, nos estritos termos da EC 45/2004, uma enorme quantidade de litígios a dirimir, em condições materiais e funcionais insuficientes para atender a tantas demandas, várias delas mais complexas que as que eles vinham enfrentando.
A nosso ver, é de interesse público que haja esse comedimento, pois, caso contrário, teremos acumulação de processos nos órgãos da Justiça do Trabalho (que, aliás, há bastante tempo se registra) de modo a inviabilizar uma prestação jurisdicional por parte deles com a presteza que a lei (vide o inciso LXXVIII do art 5º da CF/88, acrescentado pela EC 45/2004) estabelece e o jurisdicionado legitimamente espera. É por demais grave e perigoso frustrar essa expectativa, porquanto isso poderia gerar maior descrédito para Justiça e, conseqüentemente, risco para o Estado Democrático de Direito.
--------------------------------------------------------------------------------
Sobre o autor
José Soares Filho é também autor de obras jurídicas (livros, trabalhos e artigos), professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (ESMATRA VI), dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito da UFPE, da UNICAP e da Faculdade Maurício de Nassau (Recife). É ainda membro efetivo do Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Academia de Letras Jurídicas de Pernambuco.
E-mail: Entre em contato
--------------------------------------------------------------------------------
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº736 (11.7.2005)
Elaborado em 06.2005.
--------------------------------------------------------------------------------
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
SOARES FILHO, José. A Reforma do Judiciário: um desafio para a Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 736, 11 jul. 2005. Disponível em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário