Isis Angélica D. de Lima
(Presidente do Sindafit/DF)
O Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho do Distrito Federal, entidade que congrega, em Brasília, os Auditores Fiscais do Trabalho, os Médicos do Trabalho e os Engenheiros de Segurança do Trabalho, tendo em vista o artigo intitulado Fiscal do trabalho não é juiz, publicado em 23 de setembro de 2002, esclarece e defende o seguinte:
Reconhece a competência do dr. José Alberto Couto Maciel, insigne membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, enfatizando a admiração que este Sindicato tem pelo conspícuo advogado. Contudo, permissa venia, não pode com ele concordar, pois seu artigo omite o respaldo constitucional da Inspeção do Trabalho e não faz nenhuma referência aos princípios e às normas que a regem, deixando implícito que essa instituição exerce sua atividade fora dos limites legais, autuando indiscriminadamente as empresas que fiscaliza, sem apontar onde, quando e em que circunstâncias isso aconteceu.
De outra parte, para fundamentar seu artigo e, quiçá, para diminuir a importância da atividade inspecional, gera confusão ao mencionar o artigo 114 da Constituição Federal, estabelecendo uma disputa de competências, aliás inexistente, entre a Inspeção do Trabalho e a Justiça, no que pertine à apuração do vínculo empregatício e à autuação por falta de registro, situações jurídicas inteiramente distintas.
A propósito, convém esclarecer que os conflitos decorrentes de autuações fiscais trabalhistas, inclusive a infração por falta de registro, não resolvidos administrativamente, vão desaguar na Justiça Federal, através de mandados de segurança, executivos fiscais etc., constituindo isso uma rotina normal da atividade jurídica, como é do conhecimento de V. Exª., mas nunca para julgar se o agente autuante tem ou não a competência de penalizar a empresa por falta de registro de seus empregados, pois essa atribuição é da natureza de sua função e, em princípio, só deve ser exercida por ele.
Existe apenas uma exceção em que a competência da Justiça do Trabalho coincide com a da Delegacia do Trabalho, a que está prevista no artigo 36/CLT (anotação administrativa da CTPS); e nesse caso, embora o processo tenha início na DRT, em decorrência da atividade fiscal interna ou externa, este será encaminhado à Justiça do Trabalho, se esgotados os esforços administrativos para determinar o vínculo de emprego (artigo 39, da CLT), constituindo um exemplo típico de convivência harmoniosa desses poderes no exercício das respectivas funções, e não um conflito de competências.
O Regime Democrático, instalado a partir de 5 de outubro de l988, que tem como um de seus fundamentos ‘‘os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’’ (artigo lº, IV), consagrou os Serviços de Inspeção do Trabalho, no seu artigo 21, Inciso XXIV, por entender que essa instituição é relevante na busca do equilíbrio das principais forças que regem a sociedade humana — trabalho e capital —, contribuindo, assim, com sua atuação, para a promoção da paz social.
Destaca ainda que o pessoal da Inspeção do Trabalho, no Brasil, possui nível universitário, escolhido mediante concurso e, após a seleção, recebe treinamento especializado para o exercício da função inspecional, tendo consciência de que deve exercer sua atividade conforme os ditames da ordem constitucional, legal e normativa, sendo improvável, portanto, que as ações fiscais mencionadas no artigo tenham se realizado à margem da ordem legal.
Ao revés do entendimento externado, se o agente faz a verificação física e expede a notificação para que a empresa exiba o registro de seus empregados, mas o empregador, no retorno do fiscal, diz que os trabalhadores são terceirizados, autônomos, ou de outra natureza, sem lhe exibir documentos hábeis que comprovem essa relação de trabalho (contratos e fichas de registro da prestadora), esses obreiros são considerados empregados sem registro da empresa fiscalizada, cabendo perfeitamente a autuação.
Nesse caso, data venia, o agente não está sendo juiz, como afirmado, pois é obrigado, sob pena de responsabilidade, a penalizar a empresa (artigo 628/CLT). De outra parte, regem sua ação o princípio da unidade da ação fiscal (notificar, examinar documentos e autuar, se for o caso), o que é corroborado por outros princípios, como o da autonomia, faculdade que permite ao agente transformar sua notificação ou advertência em ação fiscal efetiva (artigos 18 e 21, do RIT), e o da não ingerência nas funções inspecionais (artigo 39, do RIT), o que lhe permite exercer com independência sua atividade inspecional.
Como se vê, uma ação fiscal assim realizada está longe de constituir abuso de poder, ‘‘na modalidade excesso de poder’’, menos ainda constitui ‘‘ato arbitrário, ilícito e nulo’’, como entende o articulista.
Relevante lembrar que o Auditor Fiscal do Trabalho é agente de um poder independente (Poder Executivo), não precisando de autorização de outro poder (Poder Judiciário), ou mesmo do Ministério Público, para promover sua ação fiscal. Nelson Mannrich, Auditor Fiscal do Trabalho e Professor da USP, em seu livro Inspeção do Trabalho, págs. 40 e 42, ao estudar a natureza jurídica dessa instituição, esclareceu que ‘‘A atividade inspecional é concretizada por Agentes do Poder Público... O Estado revestiu-os de poderes especiais para cumprirem essa atividade, que pode ser preventiva ou repressiva, ocorrendo a primeira no âmbito da polícia administrativa e a última quando exercem poder de polícia judiciária... Têm poder discricionário (apuração, avaliação, denúncia e punição), sem submeter seus atos ao Judiciário... E possuem função preventiva, repressiva e de vigilância...’’
Dessa forma, com todas as vênias, o sindicato da classe está convencido de que o artigo não contribuiu para esclarecer o tema nele tratado, deitando obscuridades contra uma instituição reconhecida internacionalmente e que tão bons serviços tem prestado ao Brasil, para garantir, juntamente com a Justiça do Trabalho, os direitos dos trabalhadores.
FONTE: CORREIO BRASILIENSE
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