Qual o teor da Emenda Constitucional (EC) nº 72?
Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
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As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 7º ..........................
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII,
X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social." (NR)
Brasília, em 2 de abril de 2013.
Quais os direitos agora assegurados aos trabalhadores domésticos?
O teor do Art. 7º segue abaixo. Basta destacar os incisos relativos aos direitos elencados no parágrafo único.
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social." (NR)
Destaquei com negrito as normas constitucionais de eficácia plena, de aplicação imediata, e sublinhei as de eficácia limitada.
O que mudou?
A redação anterior do parágrafo único era a seguinte: "Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social." Basta que sejam comparados os dois textos.
Peculiaridade: norma constitucional de eficácia plena e norma constitucional de eficácia limitada
O parágrafo único, na redação dada pela EC 72/2013, tem disposto em sua parte final que o previsto nos "incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social" deve observar as disposições de lei. São estas normas constitucionais de eficácia limitada (relativa complementável), que dependem da integração da lei (lei integradora). Isso porque não contém a norma constitucional os elementos necessários para sua executoriedade.
A questão, relativamente à previdência social, há muito já se resolveu. Com a EC, o fundo de garantia, que era facultativo, passa a ser obrigatório.
Entretanto, outros direitos pendem, agora, de regulamentação, pois a CLT, como expressamente dispõe seu Art. 7º, não se aplica aos trabalhadores domésticos. É a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que regulamenta as disposições acerca de tais relações, e deverá regulamentar o aviso prévio e o percentual a maior a ser pago pelo trabalho noturno. Temos pendente de norma a regulamentar, portanto, o seguro-desemprego, o salário-família e o seguro contra acidentes do trabalho.
Enquanto não sobrevier lei regulamentadora muitos tribunais aplicarão, para estes últimos direitos, norma já existente que os regulamente - no caso, a CLT, a despeito do já aludido Art. 7º. Isso porque ao juiz não é permitido se eximir de julgar, havendo lacuna na lei (Art. 126 do Código Civil) e deve ele decidir, quando a lei for omissa, de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (LINDB, Art. 4º). Dessa forma, o trabalhador não ficará ao desamparo, por não haver norma a regulamentar especificamente sua situação.
Por conclusão, a despeito da classificação formal quanto à eficácia, é possível, sim, falar-se na imediata aplicabilidade de todos os direitos garantidos pela Constituição aos domésticos.
Emenda Constitucional 72 tem incidência imediata
Nada nos chegou de graça, dizia o professor Darcy Ribeiro, tentando traduzir as transformações de um país que ainda busca inaugurar uma era de cidadania participativa. Na origem, fomos destinados a ser uma simples feitoria, daí porque consideramos muito natural, ainda nos dias de hoje, apartamentos e casas com quartinhos nos fundos, para abrigar os “empregados domésticos” — trabalhadores que estão à disposição de seus empregadores 24 horas por dia, de segunda a sexta-feira, como se não tivessem sua própria vida para viver, seus próprios filhos para cuidar.
A feitoria, porém, hoje é uma nação, que apesar de ter sido a última do mundo a abolir a escravidão, começa a avançar em conquistas sociais. Desde 26 de março, é digno de comemoração o reconhecimento pleno dos direitos trabalhistas dos chamados trabalhadores domésticos (jornada de 44 horas semanais, FGTS, horas extras, seguro desemprego, creche, entre outros). Para dizer o mínimo, a discriminação que constava da Constituição desrespeitava não apenas uma classe de trabalhadores, mas nosso próprio sentido de nacionalidade, de pertencimento a uma República de cidadãos livres e iguais.
Uma vez aprovada, a Emenda Constitucional 72 incide de imediato sobre as relações de trabalho, inclusive sobre os contratos hoje em curso. E não se diga que os contratos anteriormente firmados são atos jurídicos perfeitos. A emenda constitucional não retroagirá, incidindo sobre o trabalho realizado antes do início da sua vigência. Mas incidirá sobre o trabalho que se realize posteriormente, ainda que o contrato que lhe esteia esteja em vigor na data de sua promulgação.
contrato de trabalho não é a única fonte da qual emanam todos os direitos e obrigações trabalhistas: as leis, os regulamentos, os acordos coletivos, os tratados internacionais e, obviamente, a Constituição e suas emendas também são fonte do direito do trabalho.
Sustentar que a nova emenda não se aplica aos contratos já em vigor equivaleria a defender que, por ocasião da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, se reconhecesse a validade dos títulos de propriedade dos escravos obtidos anteriormente. A nova lei tornou inválidos os títulos constituídos, do mesmo modo que, agora, a emenda torna inválidos os contratos de trabalho com ela incompatíveis.
Outros passos precisam ser dados para zerar nosso déficit social. Temos de abolir o preconceito de raça, gênero e orientação sexual, o trabalho escravo e o trabalho infantil.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, em torno de 4,8 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalham para viver. Quantas crianças trabalham para fabricar produtos que, inadvertidamente, usamos em nosso dia-a-dia e sobre os quais de nada suspeitamos? Poucas coisas são tão incompatíveis com a dignidade humana quanto a tolerância com o trabalho infantil. Nada obstante, a prática está viva nos desafiando, não só no interior, mas também nas grandes cidades.
O trabalho escravo, não obstante inúmeras iniciativas no sentido de erradicá-lo, ainda persiste — em boa medida pela dimensão territorial do país e das limitações do aparato atual de fiscalização do trabalho. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) calcula que haja cerca de 25 mil trabalhadores escravizados no Brasil. Pela estimativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), esse número chegaria a 40 mil. Tão importante quanto a Emenda 72 será a aprovação da PEC do trabalho escravo, que prevê a desapropriação das terras, sem o pagamento de qualquer indenização, em que se verifique a prática do trabalho escravo.
Em tempo de judicialização da política, o Poder Legislativo mostra, com a edição da emenda, o vigor da democracia brasileira. O passo foi importante não só para atribuir dignidade aos trabalhadores domésticos. Ganham os trabalhadores domésticos, mas ganhamos todos nós: com a Emenda Constitucional 72 avançamos seriamente no sentido de constituir comunidade cidadã, de homens e mulheres livres e iguais.
O artigo “Emenda Constitucional 72 tem incidência imediata” é de autoria de Cláudio Souza Neto, secretário-geral da OAB Nacional, e foi publicado nesta segunda-feira (8) pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
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Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC –
Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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