A 6ª Câmara do TRT negou provimento a recurso de duas reclamadas que não concordaram com sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara do Trabalho de Catanduva. Elas insistiram, quanto às horas extras e reflexos, na veracidade dos cartões de ponto e no integral pagamento do trabalho extraordinário prestado pelo reclamante, o que, segundo elas, “afasta a aplicação daSúmula 338, inciso III, do TST”. Afirmaram, ainda, que, como o reclamante percebia salário por produção, “a apuração das horas extras deverá utilizar como divisor o número de horas efetivamente trabalhadas, a teor da Súmula 340 e da Orientação Jurisprudencial 235 da Seção de Dissídios Individuais (SDI) 1 do TST”.
A Câmara, diante de “prova dividida”, entendeu que “não há considerar como situação equivalente a falta de prova e a existência de prova testemunhal conflitante que segue direção oposta” e decidiu que “a regra do ônus da prova só pode ser aplicada no caso de inexistência de prova, servindo como um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida pela falta de provas, o que não é o que ocorre, quando produzidas provas nos autos, mas que se contradizem, dando lugar ao que se denomina de ‘prova dividida’”.
A decisão colegiada afirmou que “ao se aplicar a regra do ônus na hipótese da prova dividida, ignora-se que as partes se desincumbiram do ônus, pois produziram prova”. E ressaltou que “aplicar a regra do ônus da prova sempre que houver prova dividida é aplicar um entendimento unitário para casos distintos, é ficar insensível ao esforço probatório das partes, principalmente ao esforço de um obreiro que possui e enfrenta uma muito maior dificuldade probatória do que a empresa, já que esta tem maior capacidade material de se cercar de modos e tecnologias para documentar os fatos (formas de controle de horário de trabalho, por exemplo)”.
O relator do acórdão, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, lembrou que “a posição de hipossuficiência na relação jurídica material, com frequência, reflete na relação jurídica processual”. Para o magistrado, “há que se exigir, de quem examina as provas constantes de um processo trabalhista, uma sensibilidade e uma atenção enormes, para ver o que cada parte podia e efetivamente fez para ter suas assertivas comprovadas”.
O acórdão afirmou que a prova testemunhal produzida pelo trabalhador confirmou a jornada declinada na inicial, principalmente no que diz respeito aos horários de entrada e de saída. Confirmou também que era um fiscal quem registrava esses horários com o crachá eletrônico do empregado. Contudo, reconheceu que “as informações colhidas das testemunhas apresentadas pelas partes são diametralmente opostas”. Esse ponto foi, inclusive, o principal argumento utilizado pela empresa em seu recurso. Por isso, o acórdão abriu parêntese para “analisar a questão da alegada prova dividida, não obstante não seja essa, exatamente, a situação dos autos”.
A decisão da 6ª Câmara, diante da prova dita “dividida” (quando o teor da prova testemunhal do reclamante e o da prova testemunhal da reclamada se contradizem), afirmou que “aplicar a regra do ônus da prova diante da prova dividida não é a melhor solução, posto que tal postura não é a que melhor se ajusta aos escopos do processo, que deve servir de instrumento para realização da Justiça, para concretizar o direito material previsto abstratamente, para a efetiva tutela jurisdicional, enfim, para a realização de direitos fundamentais”. A decisão reconheceu que “a regra do ônus da prova só pode ser aplicada no caso de inexistência de prova, servindo como um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida pela falta de provas, o que não é o que ocorre no caso”. O acórdão afirmou que “o juiz não pode deixar de levar em consideração a hipossuficiência ao decidir, pois notórias são as dificuldades que o trabalhador, via de regra, tem para produzir as provas que lhe cabem”.
O acórdão lembrou que “maior justiça se fará não pela aplicação simples e pura da fria regra do ônus da prova, mas sim valorando efetivamente as provas produzidas à luz do caso concreto, de forma racional, sem generalizações, confrontando umas provas com as outras, e da análise conjunta das provas divididas decidir, por meio de dedução lógica, em face de todos os elementos existentes, qual das duas reflete a realidade fática, lembrando sempre da dificuldade do trabalhador de produzir prova”.
A decisão afirmou que, assim, “afasta-se o rigor formalista de uma aplicação mecânica da regra do ônus da prova, passando a uma valoração do material fático que se depreende dos autos, analisando as provas em sua própria substância, em seu aspecto material, e não apenas no aspecto formal”.
No caso concreto, a primeira testemunha, assim como o reclamante, exercia a função de cortador de cana, ao passo que a segunda, ouvida a convite da empresa, trabalha como fiscal de turma para a reclamada desde 2006. A Câmara entendeu que a primeira testemunha dispõe de maior aptidão do que a segunda para relatar as condições de trabalho do reclamante, e, como o próprio juízo de origem reconheceu, a segunda testemunha, em decorrência das próprias características que circundam o vínculo com a empregadora,“revela uma predisposição natural a corroborar a tese patronal, inclusive porque era ela, na qualidade de fiscal da turma, quem anotava os cartões de ponto dos empregados”.
O acórdão afirmou também que, além disso, os controles de jornada “não comprovam a assertiva da empregadora de que o recorrido não se ativava além dos limites estabelecidos para a jornada de trabalho, porquanto tais documentos não se apresentam como meio de prova válido e eficaz, na medida em que não reproduzem a realidade fática vivenciada, conforme constatado pela prova oral produzida”.
Em conclusão, o acórdão afirmou que foi acertada a sentença, que, “ao fixar a jornada de trabalho do reclamante com base na prova oral produzida, condenou as recorrentes ao pagamento das horas extraordinárias decorrentes do labor além da 8ª hora diária e 44ª semanal, acrescidas do adicional de 50%, e reflexos legais decorrentes”.
Processo nº 0000148-65.2012.5.15.0028
Fonte TRT da 15ª Região
Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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