VOCÊ ENCONTROU O QUE QUERIA? PESQUISE. Nas guias está a matéria que interessa a você.

TENTE OUTRA VEZ. É só digitar a palavra-chave.

TENTE OUTRA VEZ. É só digitar a palavra-chave.
GUIAS (OU ABAS): 'este blog', 'blogs interessantes', 'só direito', 'anotações', 'anotando e pesquisando', 'mais blogs'.

domingo, 13 de julho de 2008

Escola Nacional da Magistratura Trabalhista - Um ideal de excelência pela formação contínua

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho

I) O Processo de Instituição da ENAMAT

No dia 1º de junho de 2006 foi instituída pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução Administrativa nº 1.140/2006 do Tribunal Pleno, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), dando-se, finalmente, cumprimento ao comando constitucional introduzido em boa hora pela Emenda Constitucional nº 45/04, que previa seu funcionamento junto ao TST (CF, art. 111-A, § 2º, I).

A Resolução prevê as vigas mestras da Escola, remetendo ao seu Estatuto, pendente de elaboração, para o detalhamento e implementação do funcionamento, administração, cursos e treinamentos ofertados pela Escola (art. 10).

A Resolução decorreu dos trabalhos realizados por 3 Comissões de Ministros do TST, a saber:

a) 1ª Comissão, criada pela Resolução nº 1.045, de 07/04/05, composta pelos Ministros João Oreste Dalazen (presidente), Gelson de Azevedo e Ives Gandra Martins Filho;



b) 2ª Comissão, criada pela Resolução nº 1.080, de 04/08/05, composta pelos Ministros Gelson de Azevedo (presidente), Carlos Alberto Reis de Paula e Ives Gandra Martins Filho;

c) 3ª Comissão, criada pela Resolução nº 1.125, de 06/04/06, composta pelos Ministros Rider Nogueira de Brito, Carlos Alberto Reis de Paula, Antônio José de Barros Levenhagen, Ives Gandra Martins Filho e Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.


Como fruto do estudo da 1ª Comissão, foi apresentado um quadro de alternativas para os Ministros da Corte, que, em reunião de 17/05/05, formularam suas opções fundamentais quanto aos seguintes aspectos:

a) reconhecer à ENAMAT o caráter de órgão autônomo do TST (e não o de fundação), seguindo na esteira de escolas nacionais similares, que são o Instituto Rio Branco e a Escola Superior do Ministério Público da União;

b) caráter nacional do concurso público para ingresso na magistratura trabalhista, com periodicidade semestral;

c) nomeação imediata dos aprovados no concurso como juízes do trabalho substitutos, os quais, nessa qualidade, ingressarão no curso de formação inicial (diferentemente do modelo do Itamaraty, de curso para formação de diplomatas);

d) existência de um curso de formação inicial centralizado em Brasília (ainda que se admita a continuação dessa formação nas Escolas Regionais);

e) duração máxima do curso de formação inicial de um semestre letivo, com 5 meses úteis;

f) os cursos ministrados pelas Escolas Regionais deveriam ser reconhecidos pela ENAMAT;

g) os cursos atualmente ministrados no TST pelo CEFAST para assessores deveriam ser integrados à ENAMAT;

h) a implantação da ENAMAT se faria mediante resolução do próprio TST (independentemente de projeto de lei).

Coube à 2ª Comissão elaborar a 1ª minuta de Resolução de criação da Escola, seguindo as opções fundamentais aprovadas na reunião de Ministros, após o comparecimento dos Ministros Gelson de Azevedo ao “Curso de Formação de Formadores” realizado em Belo Horizonte (MG) em 16-17/08/05 (já antes havia participado do mesmo curso na Escola Nacional da Magistratura Francesa, realizado em Paris e Bordeaux em setembro de 2004) e dos Ministros Carlos Alberto Reis de Paula e Ives Gandra Martins Filho ao “Encontro Nacional de Diretores de Escolas de Magistratura” realizado em Mangaratiba (RJ) de 18-21/08/05, onde essas diretrizes básicas foram muito bem recebidas pelos diretores das Escolas Regionais de Magistratura Trabalhista e elogiadas pelos diretores de outras escolas, sendo a minuta de resolução remetida aos Ministros em 11/10/05 e discutida em reunião na Presidência da Corte em 29/03/06.

A 3ª Comissão, constituída para aperfeiçoar o trabalho inicial da comissão anterior, apresentou uma 2ª minuta de Resolução, aproveitando os subsídios trazidos pela participação dos Ministros Ives Gandra Martins Filho e Maria Cristina Irigoyen Peduzzi no “Curso de Formação de Formadores”, ministrado em Brasília pelos professores da Escola da Magistratura Francesa, de 6-10/02/06 (onde se focou principalmente o modelo ideal para uma Escola Nacional de Magistratura Trabalhista, contando com as sugestões de diretores de 15 Escolas Regionais de Magistratura Trabalhista) e as sugestões formuladas pelo Ministro João Oreste Dalazen.

A proposta finalmente aprovada pelo Pleno do TST em 01/06/06, optou por uma via intermediária entre as distintas correntes que visualizam os fins e os meios a serem buscados pela futura ENAMAT, adotando as seguintes diretrizes básicas:

a) uma resolução ofertando apenas a estrutura básica da Escola, com os elementos essenciais para o seu funcionamento imediato, deixando para os Estatutos o detalhamento administrativo-pedagógico do órgão, uma vez que o mais importante era o ato de criação da Escola, para dar cumprimento ao mandamento constitucional (CF, art. 111-A, § 2º, I), tendo em vista que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, previsto pela mesma EC nº 45/04, já se encontra instalado e em funcionamento desde 15/06/05;

b) atribuir à Escola não só a formação dos novos magistrados, mas também a sua seleção, de vez que, dentre os dois novos organismos previstos pela EC nº 45/04 para funcionarem junto ao TST, aquele cujo perfil melhor se amolda à tarefa é justamente a Escola, já que o processo seletivo inicial se insere no contexto do processo formativo global do magistrado (com provas antes e depois do ingresso na magistratura), até porque o único dispositivo que trata de “ingresso” na magistratura é o relativo à Escola (a supervisão administrativa de que cogita o inciso II do art. 111-A, § 2º, da CF como atribuição do Conselho Superior da Justiça do Trabalho não tem a abrangência de quem ainda não é magistrado);

c) utilizar a expressão “implantar o concurso público de âmbito nacional” ao invés de “promover” ou “realizar”, como portadora da idéia de processo visando à unificação do concurso, já que a Escola, uma vez criada, não teria condições de promover, de imediato, o concurso de âmbito nacional, a par de existirem vários concursos em andamento (a Escola adotaria as medidas necessárias para implantar, a curto ou médio prazo, o referido concurso nacional);

d) instituir o curso de formação inicial de âmbito nacional a ser ministrado em Brasília (seguindo o modelo consagrado pelas Escolas Nacionais de Magistratura no mundo, como as francesa, espanhola e portuguesa), com os novos magistrados tomando posse nos Regionais para os quais manifestaram sua preferência (segundo a ordem de classificação no concurso) e sendo lotados inicialmente como alunos da Escola (para evitar as despesas com transporte e diárias, que inviabilizariam a adoção do curso de âmbito nacional), havendo módulo regional posterior, para contato e conhecimento das peculiaridades locais;

e) o rol das disciplinas a serem ministradas foi selecionado como o quadro didático mínimo, tendo em vista que as matérias nele elencadas foram apenas aquelas não ministradas nos cursos de graduação em Direito, constituindo o núcleo do que se entende por instrumental básico para o bom exercício da magistratura (“El Saber de la Justicia” de que fala a Profª Silvana Stanga, La Ley – 1996 – Buenos Aires), o que não descarta, de modo algum, a integração, em curso ampliado temporalmente, de disciplinas tradicionais (Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Sociologia Jurídica, etc), com enfoques voltados especificamente para questões concretas enfrentadas pelo magistrado trabalhista;

f) a duração mínima do curso de formação inicial foi fixada em 4 semanas, tendo em vista a necessidade de uma estruturação paulatina da Escola, sob o prisma didático-pedagógico, recomendando a prudência que só se amplie o tempo do curso com a experiência das necessidades surgidas e deficiências percebidas (a par da carência atual de magistrados na maioria das Regiões, recomendando o encurtamento do tempo de formação, enquanto não reequilibrado o alarmante quadro de cargos não preenchidos, com déficit atual de 540 juízes);

g) a estruturação administrativa da Escola atendeu a sugestões dos Diretores das Escolas Regionais (com os quais se teve contato nos cursos e encontros dos quais participaram os integrantes da Comissão), de se criar um Conselho Consultivo que assessorasse a Direção da Escola, integrado também por juízes dos TRTs e de Varas, ressaltando a participação e integração das Escolas Regionais na ENAMAT, a par de trazer a experiência vivenciada pelos diretores das escolas já existentes;

h) a fórmula de transição encontrada até a efetiva implantação do concurso de âmbito nacional para ingresso na magistratura trabalhista foi a de se criarem turmas conjugadas de candidatos aprovados em concursos com término previsto para datas próximas (de 15 a 30 juízes), fazendo coincidir a posse, com entrada em exercício em Brasília, para participação do curso de formação inicial como alunos da Escola, pelo período de 4 semanas (criada a Escola, a sua Direção já organizaria o primeiro curso com os que tomarem posse em futuro próximo, segundo a tabela em anexo, referente aos concursos atualmente em andamento, com suas respectivas previsões de término e perspectivas de aprovados).

A aprovação se fez por maioria, vencido parcialmente o Min. João Batista Brito Pereira, que considerava inconstitucional o concurso público de âmbito nacional para ingresso na magistratura do trabalho e realizado pela ENAMAT. Os Ministros João Oreste Dalazen e Rosa Maria Weber Candiota da Rosa registraram apenas suas ressalvas quanto ao concurso ser realizado pela Escola, quanto à duração reduzida do curso de formação inicial e às disciplinas a serem ministradas no referido curso.

O ideal da Escola Nacional da Magistratura Trabalhista é a formação continuada do magistrado, desde que ingressa na carreira e durante todo o tempo em que nela estiver, pois o ideal formativo não termina nunca: o magistrado, como administrador de justiça, necessita de uma reciclagem e aperfeiçoamento contínuo, dada a relevância da função estatal que exerce.

No entanto, a formação inicial se destaca como a de primordial importância, pois marcará o modelo de magistrado que se espera da Justiça do Trabalho. Daí a importância da definição do currículo mínimo desse programa, explicitado no art. 4º da Resolução, que tem o seguinte teor:



“art. 4º O Curso de Formação Inicial de Magistrados terá o módulo nacional ministrado em Brasília, com duração mínima de 4 (quatro) semanas, abrangendo, entre outras, as seguintes disciplinas e respectivo conteúdo mínimo:
I - Deontologia Jurídica – estudo dos aspectos éticos que envolvem a atividade judicante, a postura do magistrado e os fundamentos jusfilosóficos da ordem jurídica;
II - Lógica Jurídica – estudo do procedimento lógico-jurídico para tomada de decisão, em suas várias vertentes (lógica formal, tópica, dialética, retórica e filosofia da linguagem);
III - Sistema Judiciário – aprofundamento na estrutura judiciária e processual trabalhista, visando a proporcionar ao magistrado uma visão de conjunto apta a inseri-lo no contexto maior do Judiciário Trabalhista;
IV - Linguagem Jurídica – curso de língua portuguesa voltado para a elaboração de atos judiciais e administrativos;
V - Administração Judiciária – estudo dos aspectos gerenciais da atividade judiciária (administração e economia);
VI – Técnica de Juízo Conciliatório - estudo dos procedimentos, posturas, condutas e mecanismos aptos a obterem a solução conciliada dos conflitos trabalhistas;
VII – Psicologia e Comunicação – estudo do relacionamento inter-pessoal, dos meios de comunicação social e do relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia”.



II) O Magistrado que se Quer Formar

A figura do magistrado em qualquer sociedade, sempre se revestiu de uma áurea quase divina, uma vez que a atividade de julgar, em última instância, é atributo da divindade, sendo os juízos humanos uma participação da Justiça Divina. Quando se diz que a Justiça dos homens é sempre falha, pela imperfeição natural do ser humano, isso não significa que não haja a busca da perfeição e da solução que, da melhor forma, cumpra o sentido da Justiça, que é o “suum cuique tribuere” (dar a cada um o seu direito). Mais ainda: na Sagrada Escritura, as palavras “santo” e “justo” são utilizadas como sinônimas, quando adjetivando a conduta de qualquer pessoa, sendo o seu conteúdo o mesmo: perfeito cumpridor dos deveres para com Deus e para com os homens (“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” – Mt 22, 21).

Obviamente que não se exige do juiz essa perfeição própria do divino, bem retratada pelo jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin, ao conceber a figura do “Juiz Hércules”, dotado de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas (cfr. “Levando os Direitos a Sério”, Martins Fontes – 2002 – São Paulo, pgs. 165-203), mas não se pode deixar de reconhecer que o magistrado, pela função que exerce, deve ter o sentido ético mais apurado dentre todas as demais profissões ou ofícios a que o ser humano possa se dedicar, excetuando-se apenas a do sacerdócio.

Do mesmo modo, tendo em vista os bens alheios sobre os quais o magistrado exerce a sua função social – a vida, a liberdade e a propriedade –, necessita de uma competência profissional especialmente apurada, assemelhando-se, nesse aspecto, ao médico, cujo erro profissional coloca em jogo bens de tão elevada importância: a vida e a saúde da pessoa.

Além do mais, em se tratando de um magistrado do trabalho, que tem por missão a composição dos conflitos entre o capital e o trabalho, entre trabalhadores e empregadores, quanto à dimensão definidora da própria pessoa humana, conhecida socialmente pela profissão que exerce, é necessário que tenha desenvolvido um aguçado sentido social, calcado na conscientização de que a pedra angular de toda a Doutrina Social Cristã é a da “primazia do trabalho sobre o capital”, uma vez que todo trabalho tem o homem como fim: o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho (o homem não pode ser considerado simplesmente como um dos fatores da produção, como mão-de-obra que merece remuneração, tanto quanto o capital investido, os equipamentos alugados ou as terras arrendadas).

Com efeito, desde os primórdios da “Questão Social”, a Igreja Católica esteve atenta aos problemas e vicissitudes pelos quais passavam os trabalhadores, tendo o Papa Leão XIII escrito a Encíclica Rerum Novarum (1891), que se constituiu num marco da Doutrina Social Cristã, verdadeira Carta Magna do trabalhador. Em sua esteira, foram editadas outras encíclicas sociais que atualizaram a mensagem original, enfrentando os novos problemas que surgiam com o avanço histórico da sociedade industrial: Quadragesimo Anno (1931) de Pio XI, Mater et Magistra (1961) de João XXIII, Octogesima Adveniens (1971) de Paulo VI, Laborem Exercens (1981) e Centesimus Annus (1991) de João Paulo II. Esses documentos do Magistério da Igreja, desde a Rerum Novarum, sempre serviram de norte para as sucessivas Constituições dos mais diversos países do mundo, nutrindo a parte social dessas Cartas Políticas no que diz respeito aos direitos básicos do trabalhador, em face da dignidade da pessoa humana.

A própria CLT teve sua origem nos debates travados no 1º Congresso Brasileiro de Direito Social, iniciado em 15 de maio de 1941, em São Paulo, justamente no dia em que se comemorava o cinquentenário da Encíclica “Rerum Novarum”, para celebrar a data. Presidido pelo Prof. Antonio Cesarino Júnior e tendo como um de seus nomes de destaque o Min. Arnaldo Süssekind, o Congresso contou com a presença de mais de 500 participantes e a colaboração de mais de 100 especialistas em suas 8 subcomissões, nas quais se debateram e aprovaram 115 teses. A própria Revista LTr foi fundada nessa época (mais precisamente em maio de 1936), com o intuito de promover o estudo do Direito do Trabalho à luz da Doutrina Social Cristã.

Vê-se, pois que o perfil do magistrado trabalhista deve ser diferenciado, fundando-se num arraigado sentido ético, numa primorosa formação jurídico-humanística e especialmente vocacionado para composição dos conflitos sociais, sabendo-se que a missão do juiz é, nem mais e nem menos do que fazer justiça, distribuindo os bens da terra com equidade.


III) A Capacitação do Magistrado – Habilidades Necessárias

No Curso de Formação de Formadores ministrado em Brasília pelos Profs. Philippe Darrieux e Véronique Duveau-Patureau da Escola Nacional da Magistratura Francesa, em fevereiro de 2006 no TRT da 10ª Região, do qual participamos, a tônica era justamente a de como se chegar à melhor capacitação do magistrado:


a) Quais as bases de saber necessárias à capacitação?

b) Quais as capacidades a serem adquiridas na Escola?

c) Como adquirir estas capacidades?

No entanto, a questão prévia seria a de definir o que seria capacidade? Sugeriam os referidos professores que seria o conjunto de habilidades necessárias ao exercício da função judicante. A capacidade estaria diretamente relacionada ao saber (conceitual, técnico e social).

Partindo dessa premissa básica, poder-se-ia responder à primeira indagação afirmando que as bases de saber necessárias à capacitação do magistrado seriam, além da sólida formação jurídica (já pressuposta, uma vez que mensurada no concurso público para ingresso na carreira):


a) consistente formação humanística, social, econômica, política e ética;

b) domínio da língua e da linguagem;

c) equilíbrio emocional e sociabilidade;

d) vocação para o estudo contínuo.

Se esses são os saberes necessários à capacitação do magistrado, pode-se responder à segunda indagação a respeito de quais as capacidades a serem adquiridas na Escola da Magistratura, como diferenciadas em relação aos conhecimentos meramente acadêmicos e ministrados nos cursos regulares de Direito (tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação):

a) capacidade de condução de audiência e de alcançar a conciliação das partes (compreensão psicológica do comportamento próprio e alheio);

b) capacidade de estruturação lógica e de convencimento na prolação de decisões;

c) capacidade de reflexão crítica (sentido ético mais apurado) e de compreensão do contexto em que se insere (consciência social e política da função jurisdicional exercida);

d) capacidade administrativa-gerencial de uma Vara, Gabinete ou Tribunal;

e) capacidade de comunicação com o público e com a imprensa.

Estabelecidos os fins de uma Escola de Magistratura, quais seriam, é a terceira indagação, os meios de que disporia para adquirir essas capacidades? Os professores franceses, com a experiência da Escola de seu país, elencavam-nos:

a) cursos de formação (inicial e continuada) com conteúdo dinâmico a ser periodicamente revisto de acordo com a proposta pedagógica da Escola, elaborada a partir das necessidades do contexto e respeitadas as peculiaridades regionais;

b) aulas teóricas, presenciais ou não, com a adoção de métodos pedagógicos que permitam a participação dos alunos, a serem ministradas na própria Escola ou em instituições-parceiras;

c) aulas práticas na Escola e nas Unidades Judiciárias, com acompanhamento;

d) visitas técnicas, com critérios definidos e com a finalidade de ampliar a percepção do magistrado em relação ao contexto social em que está inserido.

A conclusão desse Curso de Formação de Formadores realizado em Brasília esteve voltada justamente para desenhar várias arquiteturas alternativas para uma Escola nacional de Magistratura Trabalhista brasileira, segundo as necessidades e possibilidades que se apresentavam no momento. Foram propostos 3 modelos distintos de Escola Nacional:

a) modelo centralizado (ideal a ser alcançado) – concurso nacional, curso de formação inicial em Brasília, formação continuada nos Regionais;

b) modelo misto (solução provisória, até alcançar o modelo ideal) – concursos regionais, curso de formação inicial em Brasília (aglutinando candidatos aprovados em concursos concluídos em épocas próximas), formação continuada nos Regionais;

c) modelo descentralizado (manutenção da realidade existente) – concursos regionais, cursos de formação inicial e de aperfeiçoamento nos Regionais (Escola Nacional mera coordenadora e supervisora das Escolas Regionais).

A Resolução n. 1.140/06 veio a abraçar o modelo centralizado, prevendo, no entanto, uma fase de transição, até a implantação do concurso de âmbito nacional, de acordo com o modelo misto.

No caso do curso de formação inicial, o § 1º do art. 4º da Resolução nº 1.140 prevê a parte prática do curso, assim dispondo:

“Art. 4º (...)
§ 1º Além das disciplinas, o Curso de Formação Inicial será integrado por estágio concomitante em Varas do Trabalho, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, sindicatos, órgãos públicos e entidades sociais, para conhecimento prático do funcionamento dessas instituições”.


Um plano de visitas e estágio prático em Brasília abrangeria, naturalmente, entre outras:

a) assistência a audiências de Varas do Trabalho, captando a forma de condução da audiência pelo juiz, além das técnicas utilizadas para tentativa de conciliação e para inquirição de testemunhas;

a) modelo centralizado (ideal a ser alcançado) – concurso nacional, curso de formação inicial em Brasília, formação continuada nos Regionais;

b) assistência a sessões do Tribunal Regional do Trabalho, tanto de dissídios individuais como de dissídios coletivos, para ter idéia de como as sentenças são revistas no duplo grau de jurisdição;

c) assistência a sessões do Tribunal Superior do Trabalho, especialmente da SBDI-1 (órgão uniformizador da jurisprudência interna corporis) e das Turmas, conhecendo o modo como a jurisprudência se consolida;

d) assistência de sessões do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, para conhecer os problemas administrativos que enfrenta a Justiça do Trabalho como um todo;

e) assistência a sessões do Supremo Tribunal Federal (não obstante a transmissão de muitas delas pela TV Justiça), para conhecer vivencialmente o funcionamento da Corte Suprema do país e seus integrantes;

f) assistência a sessões do Conselho Nacional de Justiça, conhecendo também seu modus decidendi;

g) visitas ao Senado Federal, Câmara dos Deputados, Subchefia Jurídica da Casa Civil da Presidência da República, para conhecer o modo como as leis e outros atos normativos são preparados, discutidos e aprovados;

h) visitas à Procuradoria-Geral da República, Procuradoria-Geral do Trabalho, Advocacia-Geral da União e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para melhor conhecimento do modo de atuação do Ministério Público e da advocacia pública e privada;

i) visita a Comissões de Conciliação Prévia, para conhecimento da real forma de atuação desses órgãos.


IV) O Currículo Mínimo da Formação Inicial – Um Ideal

O marco teórico mínimo albergado pela Resolução n. 1.140/06, integrado por disciplinas não ofertadas atualmente pelas faculdades, lembra o ideal clássico de formação do homem grego resumido na “Paidéia” de Werner Jaeger (Martins Fontes – 2003 – São Paulo), em que o próprio conteúdo semântico da palavra grega παιδεια não possui correspondente perfeito nas línguas atuais, abarcando simultaneamente educação, formação, treinamento, disciplina, civilização, cultura, tradição, literatura e filosofia, assumido posteriormente pelas artes liberais do medievo através do “trivium” (gramática, dialética e retórica) e “quadrivium” (aritmética, geometria, astronomia e música) escolástico.

Com efeito, a educação do homem grego clássico incluía tanto o aspecto técnico (techné - conhecimento, destreza) quanto moral (areté - virtude, perfeição interior). Falava-se de formação como dar forma ao ideal de homem integral, próprio da nobreza (aristos): a aristocracia pautada pela cortesia e heroísmo.

O sentido mais antigo da palavra ''areté”, tal como aparece em Homero (séc. IX a. C.), tido por Platão como educador de toda a Grécia, era o de coragem e heroísmo (destacado na ''Ilíada'', onde o nobre é sempre guerreiro). Só mais tarde passou a englobar o de virtude moral (sentido do dever, da cortesia e do decoro que aparecem na ''Odisséia'', onde o nobre é o da corte). Educavam-se os homens gregos ''para ambas as coisas: proferir palavras e realizar ações'' (Fênix - mestre de Aquiles). A honra como medida da ''areté'' seria o reflexo do valor interno no espelho da estima.

O 2º maior poeta grego é Hesíodo (séc. VIII a.C.), que com ''Os Trabalhos e os Dias'', exalta outro valor fundante da cultura grega (a par do heroísmo guerreiro dos nobres), que é o trabalho (inicialmente pastoril e agrícola, depois artesanal e marítimo dos camponeses): ''Os deuses imortais puseram o suor antes do êxito'' (Erga, 286). A pobreza (como fruto da indolência) e a riqueza injusta (por expoliação) são condenáveis. No poema ''Erga”, desenvolve outro valor fundante: o direito (busca da justiça, elemento essencial para a segurança da classe camponesa). Não são apenas as forças telúricas e atmosféricas que intervêm no mundo, mas também poderes de caráter moral (os deuses seriam os guardiães da Justiça, fazendo-a triunfar no final): ''Os peixes e os animais selvagens e os pássaros alados podem devorar-se uns aos outros, porque entre eles não existe o direito. Mas, aos homens, concedeu ele a justiça, o mais alto dos bens'' (Erga, 274).

Enquanto para Homero a “arete” está no heroísmo e na honestidade, para Hesíodo a encontramos no trabalho e na justiça. Já Tirteu (séc. VII a.C.) exaltará a disciplina militar espartana ('Elegias' e 'Eunomia'), cujo ideal de defesa abnegada da polis, numa educação estatal coletivizada, tem a virtude de modelar o cidadão para o pleno cumprimento de suas responsabilidades sociais: “Ó viajante, ide dizer a Esparta que aqui tombamos para cumprir suas leis” (Leônidas nas Termópilas).

Na Atenas da época de Sólon (640-558 a.C.), as normas impostas pelos deuses ('themis') se tornam o direito das partes ('dike'): o que se dá, o que se deve e o que se pede (sendo sinônimo de igualdade). Com Platão (''As Leis'' e ''A República'') e Aristóteles (''Ética a Nicômaco''), a justiça ('dikaiosyne') passa a principal e resumo das virtudes: cumprimento de todos os deveres (prudência, justiça, fortaleza e temperança como as fundamentais, lembrando o heroísmo dos tempos primitivos).

A lei é a alma da polis: ''O povo deve lutar pela sua lei como pelas suas muralhas'' (Heráclito). A cidade, protegida pelas muralhas, tem na lei o seu baluarte invisível. A “areté” política está no exercício dos direitos e deveres cívicos: aprender a obedecer e a mandar. Para Platão, a verdadeira educação é uma formação geral, pois o sentido político é o sentido do todo.

Esse sucinto panorama da “Paidéia” grega, aqui tão rapidamente relembrado em sua evolução histórica, não seria, justamente, o ideal de formação para o exercício da atividade judicial-trabalhista, em que o magistrado deve fazer frente, como verdadeiro "Hércules”, mas sem dotes divinos, à árdua tarefa de distribuir justiça entre trabalhadores e empregadores, com apurado sentido social, sem se deixar levar pelo espírito paternalista de privilegiamento da classe operária, nem sucumbir diante da força do poder econômico?

Nessa esteira, poderíamos cogitar do conteúdo básico a ser ministrado nas disciplinas fundamentais previstas para o curso de formação inicial do magistrado do trabalho, como a seguir exposto em relação a cada uma delas.

1) Deontologia Jurídica

A formação ética do magistrado é, de longe, a mais importante de todas e a base da justiça de suas decisões. Mas quando se fala de “Ética”, surgem muitos mal-entendidos sobre o que seja uma conduta ética justamente pelas diferentes visões que se têm sobre os conceitos de liberdade, bem e norma moral.

Assim, é de fundamental importância ofertar ao magistrado recém-ingresso na carreira um panorama abrangente e aprofundado sobre os fundamentos éticos da atividade judicial, de tal forma que, não apenas no momento de decidir, mas em toda a sua conduta no relacionamento com as partes, servidores e colegas, saiba distinguir qual a melhor conduta a ser adotada.

Apenas a título de exemplo, podemos elencar 3 das principais visões da Ética que atualmente regem a conduta tanto pessoal quanto profissional (cfr. nosso “Manual Esquemático de Filosofia”, LTr – 2006 – São Paulo, 3ª edição).

A Visão Clássica, que tem como expoentes Aristóteles (384-322 a.C.) e S. Tomás de Aquino (1225-1274), conta, mais modernamente, com adeptos da envergadura de Giuseppe Abbà (1838-1910), Josef Pieper (1904-1997), Peter Thomas Geach (n. 1916), Gertrudes Elizabeth Margareth Anscombe (1919-2001), Servais Pinckaers (n. 1925), Robert Spaemann (n. 1927), Alasdair MacIntyre (n. 1929) e Martin Rhonheimer (n. 1950). Sua origem histórica se encontra na Grécia Antiga, com Aristóteles (Pai da Ética) corrigindo o intelectualismo de Sócrates e Platão, que reduziam a motivação do mau agir do homem à ignorância (por não distinguirem no homem entre razão especulativa e razão prática, entre a inteligência e a vontade como potências da alma). Na Idade Média, S. Tomás de Aquino explicará a moral evangélica em termos aristotélicos, obtendo uma síntese entre filosofia grega e cristianismo. A síntese aristotélico-tomista concernente à Ética será esquecida durante séculos, quer pela condenação de S. Tomás de Aquino em 1277 pelo Arcebispo de Paris, quer pela sua releitura por Francisco Suarez em 1600 (só será retomada em toda a sua compreensão por Alasdair MacIntyre, em seu “After Virtue”). As principais características dessa visão são:


Foca a Ética na excelência pessoal e na busca da felicidade (ética eudemonológia), a ser atingida através da aquisição das virtudes, que são qualidades que tornam possível “enxergar” o bem e fazem bom quem as possui (conhecer por conaturalidade).



O bem é entendido como aquilo que é racionalmente apetecível.



A Ética é vista como a racionalidade no direcionamento do agir (“reta ratio agibilium”), ligada a uma dimensão imanente do agir humano (o agir livre modifica em primeiro lugar o próprio agente).



Existe uma moral objetiva, que deriva da própria natureza humana: um padrão universal de apetecibilidade.



A liberdade é de qualidade: fazer o que “realmente” se quer (não qualquer escolha, mas a escolha certa, daquilo que efetivamente aperfeiçoa o sujeito).



As paixões devem ser aproveitadas e canalizadas para a realização do bem (permitem “enxergar” no juízo prático aquilo que é racionalmente apetecível).



O valor ético da ação depende da sua qualidade e não apenas do resultado.



As virtudes se adquirem na prática, por educação e consistem na interpenetração dos âmbitos afetivo e racional da natureza humana.



A lei (que se conhece “a posteriori”) e a consciência desempenham papel subsidiário na conduta moral: controle reflexo.



A Visão Moderna-Legalista, cujos expoentes são Francisco Suarez (1548-1617) e Emanuel Kant (1724-1804) e tendo como precursores Sêneca (5 a.C.-65 d.C.) e Guilherme de Ockham (1295-1350, tem sua origem histórica no Estoicismo que sustenta que as paixões são más e devem ser refreadas, bem como no Nominalismo de Ockham (baixa escolástica), que não admite uma natureza comum a todos os homens (seria uma abstração, já que só existem os indivíduos) e faz da lei o fundamento da ética (uma lei “a priori” entendida como mandamento arbitrário de Deus: se Deus estabelecesse que odiá-Lo seria meritório, esse seria o primeiro mandamento). A visão legalista baseou-se na reinterpretação moderna da teologia católica sobre a lei, a partir de Francisco Suarez (pseudo-tomista). As principais características dessa visão são:

Os deveres e obrigações decorrem da lei, que obriga e vincula a conduta humana.



O bem é visto como aquilo que Deus ou o legislador estabelecem como bom (uma coisa não é buscada por ser apetecível como boa em si, mas é boa na medida em que é mandada por Deus ou pela lei).



A liberdade seria o poder de arbitrar (liberdade de indiferença, podendo escolher tanto uma coisa como outra), somente limitada extrinsecamente pela lei ou pela Natureza.



A Moral se identificaria com o estudo das leis, que limitariam a liberdade humana (visão opressiva e negativista, com os mandamentos e as leis sendo um conjunto de proibições ao que o indivíduo gostaria de fazer).



A consciência é hipertrofiada, devendo apontar em cada momento o que é bom ou é mau, aplicando ao caso concreto a norma legal (casuísmo e atomização da conduta, sem um norte bem definido).



Afasta-se da moral evangélica (apesar de sua derivação originária na teologia católica), caindo num voluntarismo desumanizado (a pessoa boa seria aquela que tem força de vontade para se ater àquilo que a lei permite: facilidade para se cumprir a lei, sem dimensão intelectual ou afetiva).



Os principais adeptos da visão legalista são João Duns Scoto (1266-1308), Juan Azor (1535-1603), Hugo Grocius (1583-1645), S. Alfonso Maria de Ligório (1696-1787), William Frankena (1918-1994), Alan Donagan (1925-1991), Germain Grisez (n. 1929), Thomas Nagel (n. 1937) e John Finnis (n. 1940).

Finalmente, a Visão Utilitarista, cujo expoente máximo é Jeremy Bentham (1748-1832) e que tem como precursor Epicuro (341-270 a.C.), tem sua origem histórica justamente no Hedonismo de Epicuro, que faz do prazer físico o bem por excelência (o prazer “espiritual” consistiria no prolongamento do prazer físico, quer pela expectativa do que se gozará, quer pela memória do que se gozou,), mas não um prazer desenfreado (bom é quem sabe utilizar a razão para se obter o máximo de prazer; censurável é quem não é capaz de conquistar um prazer duradouro, por não conseguir renunciar a outro momentâneo). As principais características dessa visão são:

Ética dos resultados e da melhor estratégia para atingi-los, tendo o máximo prazer do maior número como sua meta (a qualidade da ação não conta, mas apenas o objetivo atingido).



O bem é a ação que produz resultado apetecível.



Uso instrumental da razão (otimizar o prazer).



Balanceamento entre os vários prazeres, de modo a maximizar as satisfações e reduzir as penas.



As diferentes modalidades de utilitarismo diferem umas das outras segundo o critério que utilizam para medir o caráter mais ou menos satisfatório do resultado:

prazer para os hedonistas (Epicuro 341-270 a.C.);



riqueza para o utilitarismo burguês (Jeremy Bentham 1748-1832, Benjamin Franklin 1706-1790, Stuart Mill 1806-1873);



consenso para o utilitarismo convencionalista (Thomas Hobbes 1588-1679, John Rawls 1921-2002, Jürgen Habermas n. 1929);



melhor estado do mundo para o utilitarismo teleologista (Peter Knauer n. 1935, Josef Fuchs n. 1912 , Bruno Schüller n. 1925).



Como se pode observar dessa sucinta enumeração de visões e pensadores, pelo menos um estudo básico da questão ética voltada à atividade judicial se faz necessária, como “conditio sine qua non” da consecução do ideal de justiça, vislumbrada como virtude maior que deve emanar do magistrado.

2) Lógica Jurídica

Escrevia Piero Calamandrei em seu conhecido “Eles os Juízes, vistos por um Advogado”:

“A fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num esboço topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz perdeu o rumo.

Mas quantas vezes a fundamentação é uma reprodução fiel do caminho que levou o juiz até aquele ponto de chegada? Quantas vezes o juiz está em condições de perceber com exatidão, ele mesmo, os motivos que o induziram a decidir assim?

Representa-se escolarmente a sentença como o produto de um puro jogo lógico, friamente realizado com base em conceitos abstratos, ligados por uma inexorável concatenação de premissas e conseqüências; mas, na realidade, no tabuleiro do juiz, as peças são homens vivos, que irradiam invisíveis forças magnéticas que encontram ressonâncias ou repulsões, ilógicas mas humanas, nos sentimentos do judicante. Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos dessas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum juiz, mesmo o mais severo, consegue escapar?” (Martins Fontes – 2000 – São Paulo, pgs. 175-176).


Como bem expresso pelo ilustre mestre italiano, a fundamentação é a segurança do jurisdicionado, mas deve ser estruturada de tal forma que externe convenientemente a mente do julgador, mostrando quais os argumentos que o convenceram da razão de uma das partes. Por outro lado, também como bem lembrado por Calamandrei, o raciocínio jurídico não se estrutura unicamente na lógica formal.

Aristóteles, nos seus escritos que compõem o “Organon”, dividia os “discursos” (ou seja, as formas de expressão e exteriorização do pensamento) em 5 espécies:

Poético – discurso da possibilidade (ficção) – o discurso poético é o mais flexível de todos, uma vez que não limitado pela necessidade de adequação à realidade fática. Dá maior ênfase à forma do que ao conteúdo, expressando-se através de metáforas (as imagens que dramatizam a realidade são, muitas vezes, aquelas que despertam o instinto estético e fazem reagir ao discurso).


Lógico – discurso da veracidade (certeza) – o discurso lógico é aquele estruturado silogisticamente, quer pela dedução (partindo das premissas teóricas gerais), quer pela indução (partindo das premissas fáticas concretas), que chega a uma conclusão cuja certeza advém da veracidade das premissas e da correção no processo de inferência. No campo jurídico, partindo da premissa maior ligada à norma jurídica e conjugando-a com a premissa menor referente à hipótese fática, chega-se à conclusão de qual a decisão a ser tomada (se a regra jurídica se aplica ao caso concreto).


Retórico – discurso da verossimilhança (convencimento) – o discurso retórico (“a arte de bem dizer”) é aquele voltado ao convencimento do auditório ao qual se dirige, utilizando os argumentos e as imagens que mais lhe são caras, independentemente de corresponder o discurso à realidade (dá-se a aparência da verdade, pela formulação de sofismas). No campo jurídico, seleciona os argumentos de caráter ideológico que se amoldam ao perfil do magistrado que deverá decidir a questão.


Dialético – discurso da probabilidade (opinião) – o discurso dialético (“a arte de argumentar”) é aquele que confronta os argumentos pró e contra determinada tese, buscando fundamentar a decisão nos argumentos que mais solidamente a alicercem.


Tópico – discurso da conveniência (razoabilidade) – o discurso tópico é aquele voltado à solução do problema, levando em consideração o juízo de conseqüência da adoção de uma ou outra linha argumentativa.



O ideal da certeza quanto à titularidade do direito postulado e da melhor solução (por ser a mais justa) para um conflito de interesses nem sempre é alcançável pela mera lógica formal. No entanto, é ela o instrumento por excelência para se prestar a jurisdição, ou seja, dizer o direito, aplicando a lei ao caso concreto.

O elemento básico da “Lógica Formal” é o silogismo, que, no campo jurídico, pode ser estruturado da seguinte maneira:

premissa maior (universal) – a regra de direito (lei) a ser interpretada e aplicada;



premissa menor (particular) – a situação de fato ocorrida;



conclusão (particular) - verificação da subsunção do fato à norma.



Assim, na disciplina “Lógica Jurídica”, uma das vertentes do estudo será a das regras do silogismo, para evitar que se torne em sofisma: detectar qual a falha na acepção das premissas ou na extração da conclusão a partir delas.

O sofisma (ou paralogismo) é o raciocínio errado, com aparência de verdade. Seus elementos básicos são:

uma verdade aparente – certa capacidade de convencimento;



um erro oculto – conclusão falsa, provocada pela ambigüidade de um conceito; pela passagem do particular ao universal; por tomar o relativo por absoluto; por tomar o parcial como total; por tomar o acidental por essencial, etc.



A Lógica Formal, no campo jurídico, está necessariamente vinculada à Hermenêutica, que é a ciência da interpretação de textos, buscando o seu sentido. A premissa de direito supõe a “leitura” que se faz do texto a ser aplicado ao caso concreto. E a própria demonstração de um determinado significado supõe a estruturação da exegese segundo as regras do silogismo.

A tarefa do juiz, como causa eficiente da Justiça, é um misto de interpretação (leitura do texto legal, para extrair-lhe o sentido) e concretização (dar vida à norma, na aplicação à situação conflituosa que lhe é apresentada para resolver) do direito. Assim, na atividade judicante, a hermenêutica é uma atividade interpretativo-concretizadora da norma legal.

Aristóteles dedicou um tratado à questão da interpretação (“Perí Hermeneías”), no qual expressa a necessidade da adequação entre o pensamento e a sua expressão através da linguagem: quais as condições de veracidade e compreensão das proposições do discurso (quer da adequação entre pensamento e realidade, quer da exteriorização do pensamento). A hermenêutica se mostra especialmente relevante para a compreensão do sentido exato dos textos religiosos e jurídicos, uma vez que impõem normas de conduta, devendo ser compreendida a intenção de quem os escreveu.

O juiz, diante do texto da lei, pode adotar um dos seguintes métodos de interpretação, bem como conjugá-los, de modo a estabelecer se a norma pode, ou não, ser aplicável a um caso concreto:

Interpretação Gramatical (literal) - Jungida ao sentido estrito das palavras expressas no comando normativo (filológico). É a menos elástica de todas, pois leva o juiz a apegar-se ao texto da lei, aplicando-o à risca, nos moldes em que foi redigida. É o método próprio de aplicação das normas, cuja clareza redacional faz exsurgir seu sentido pleno da simples leitura do texto, sem maiores perquirições ou dúvidas (“in claris cessat interpretatio”).



Interpretação Lógica (intrínseca) - Consistente em procurar descobrir o sentido e o alcance das expressões do dispositivo legal sem o auxílio de nenhum elemento exterior a ele próprio. Aplica a lógica formal para deduzir, do silogismo hipotético que constitui cada comando legal (estrutura de premissa maior genérica, premissa menor específica e conclusão ligando as duas), qual o alcance da conclusão que pode advir das premissas utilizadas.



Interpretação Histórica (intencional) - Fixa o sentido da norma segundo a “mens legislatoris”, isto é, conforme a vontade política manifestada pelo legislador no momento de criação da lei. Para tanto, o juiz recorre aos documentos que reportam as votações parlamentares sobre a lei, que refletirão o desidério do legislador ao aprovar determinada lei. Desse modo, pode-se aferir o alcance do dispositivo legal a ser interpretado através de uma pesquisa sobre as circunstân-cias históricas que determinaram sua elaboração e da opção social e política adotada pelo legislador para resolver a questão. Ainda aqui o juiz fica jungido à vontade do legislador, buscando-a não somente na lei, tal como está redigida, mas inclusive em documentos ou notícias que refiram qual a intenção do legislador ao criar a norma.



Interpretação Sociológica (evolutiva) - A evolução histórica pode ensejar a concepção do sentido da norma, conforme as novas circunstâncias sociais para as quais deve ser aplicada. É o aspecto dinâmico do Direito, que deve evoluir com a sociedade, naquilo que não contradiga os direitos humanos fundamentais, cuja negação constituiria retrocesso caracterizador de ruptura do Estado de Direito. Nesse sentido, o texto legal, uma vez promulgado, adquiriria vida autônoma, independente do que o legislador queria dizer ou dispor.



Interpretação Teleológica (finalista) - Diz respeito à finalidade da norma. Através dela busca-se descobrir a “mens legis”: o objetivo perseguido pelo dispositivo (o espírito da lei). Tal método torna-se imprescindível quando a má redação do dispositivo ou a possível dubiedade de sentido que apresenta esfumaçam a clareza e a facilidade de aplicação, exigindo do magistrado um aprofundamento maior no sentido da norma, buscando o fim social que justifica sua existência. Começa, já aqui, a se delinear um certo poder criador do juiz, pois, dada a falta de nitidez da norma posta, fica desvinculado da letra fria da lei, podendo dar-lhe o conteúdo próprio, conforme suas convicções do que seja o objetivo do dispositivo que aprecia.



Interpretação Sistemática (orgânica) - Aquela que, na análise de um dispositivo concreto de lei, tem em conta o contexto em que se encontra inserido: tanto o diploma legal do qual faz parte como, inclusive, em certas questões, o próprio ordenamento jurídico global em que está incluído. Por tal método, a letra da lei, em um de seus dispositivos particulares, é confrontada com o ordenamento jurídico como um todo harmônico (quer limitado à matéria, quer numa abrangência mais ampla), buscando dar-lhe o sentido que mais se harmonize com o sistema. Aqui também, muitas vezes, estará o juiz exercendo verdadeiro poder discricionário de opção, pois a norma concreta a ser aplicável pode não se coadunar, na forma como está redigida, com o sistema legal em que se insere.



Interpretação Comparativa (internacional) - Supõe fazer a leitura do texto legal a ser interpretado ou da situação fática carente de solução tendo em conta a experiência internacional (Direito Comparado), bem como a inserção da norma nacional no contexto supra-nacional, especialmente tendo em vista a formação de blocos regionais (União Européia, Mercosul, etc) que exigem a uniformização de seus direitos nacionais a padrões comuns ao bloco.



Hans Georg Gadamer (1900-2002), pai da hermenêutica moderna, sustentava que o intérprete analisa o texto não com a mente vazia, mas já preenchida com sua pré-compreensão (“Vorverständnis”) e seus pré-juízos ou pré-conceitos (“Vorurteile”), que são a memória cultural do intérprete, influenciando no seu modo de entender o texto. Haveria assim um círculo hermenêutico: a análise do texto, com os preconceitos do intérprete, tem como resultado um primeiro significado, que deve ser paulatinamente revisto, com base numa penetração mais profunda do texto. Assim, com o passar do tempo, a melhor compreensão do contexto histórico em que foi escrito e dos conhecimentos sobre as questões que aborda leva à descoberta de novos sentidos e significados para o texto, revelando-se insubsistentes os anteriores, com base nas pressuposições que careciam de fundamento sólido.

Elemento de fundamental importância na interpretação é o reconhecimento da alteridade do texto: o intérprete deve deixar que o texto lhe diga algo, não querendo que se adapte aos seus próprios interesses e preconceitos (o conteúdo de verdade do texto deve se sobrepor às prevenções do intérprete). Isso não supõe neutralidade ao interpretar, mas tomar consciência dos próprios preconceitos: “São os preconceitos de que não temos consciência os que nos tornam surdos para a voz do texto” (Gadamer).

Paul Ricoeur (1913-2005), em seu livro “Sobre a Interpretação” (1965), alertava para o perigo da interpretação reducionista, em que o intérprete, ao invés de descobrir e sentir os valores vitais emergentes do texto, deixa-se levar por seus preconceitos e interesse em que o texto seja interpretado num determinado sentido.

O problema do interesse como fator influenciador da interpretação do texto legal é dos mais sérios e dos menos reconhecidos. Jürgen Habermas (n. 1929) vislumbra o problema em seu livro “Conhecimento e Interesse” (1968), mas não lhe dá solução, ao reconhecer que o interesse influencia o conhecimento e que isso é saudável (“conhecimento e interesse se tornam um”). Percebe-se que, por essa visão, o conhecimento não é entendido como a adequação da mente à realidade, mas se confunde com o interesse de transformar a realidade segundo a mente e o desejo do sujeito pensante. Nesse sentido, aquilo que se deseja que seja a realidade, passa a ser visto como se fosse efetivamente a realidade. Daí que a norma seja interpretada segundo a “vontade” do intérprete (interesse) e não segundo a “mente” (conhecimento) do legislador.

Mais ainda. Em matéria de hermenêutica constitucional dos direitos fundamentais, não se pode conceber a “Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição” (1975), idealizada por Peter Häberle (n. 1934), como um mero processo democrático de estabelecimento do sentido da norma constitucional referente aos direitos humanos, no qual as Cortes Constitucionais e Supremas auscultariam a “vontade popular” como legitimadora da interpretação-concretização da vontade do legislador constituinte. Essa “Sociedade Aberta” representa a democratização do acesso às fontes de informação para se “extrair” da realidade fática (no caso, a natureza humana) a norma jurídica (no caso, os direitos humanos fundamentais). Ou seja, essas Cortes, ao interpretar-concretizar os direitos humanos fundamentais, não devem ouvir a sociedade (através do mecanismo, por exemplo, do “amicus curiae”, isto é, da abertura a que todos os que poderiam contribuir para o esclarecimento da questão ingressem no processo) apenas para traduzir seus anseios e vontade (o que reduziria os direitos fundamentais à uma matriz meramente contratualista de fundamentação), mas fundamentalmente para ter elementos fáticos (mais do que jurídicos) que lhe ofertem a mais plena compreensão do problema a ser resolvido por elas.

Portanto, a lógica formal longe de se desvincular, é o instrumento primeiro da hermenêutica. Mas não é o único instrumental de que dispõe o intérprete-aplicador da norma. Na sua “Tópica”, Aristóteles trata do silogismo dialético, que é aquele cujas premissas não são verdades evidentes, mas opiniões comuns vigentes na sociedade (“topos” ou lugares comuns), desenvolvendo a arte da argumentação.

Mais do que a Hegel ou Marx, devemos a Michel Villey (1914-1988) o desenvolvimento da dialética jurídica, resgatando a genuína tradição aristotélica, da mesma forma que devemos a Chaïm Perelman (1912-1984) o resgate da retórica aristotélica e a Theodor Viehweg (1907–1988) a releitura da tópica aristotélica.

A dialética é a arte (“techné”) da argumentação em torno do opinável, problematizando as questões através de perguntas e respostas, em estrutura na qual uma parte coloca a tese, a outra contrapõe a antítese e da comparação se chega à síntese (tarefa primordial do juiz).

Algumas regras básicas da argumentação são:

converter as questões e problemas a serem debatidos em perguntas e respostas, sabendo colocar o objeto da controvérsia numa formulação interrogativa passível de compreensão pelo interlocutor;



dissimular a conclusão, deixando de apresentá-la logo ao princípio da discussão, de modo a que se possa chegar progressivamente a ela através de argumentos bem estabelecidos;



dar maior clareza aos argumentos através de exemplos e comparações com realidades mais compreensíveis ao interlocutor (“é difícil argumentar se o que é proposto não é exposto com clareza” – Aristóteles, “Tópica”, 158a, 40-41);



evitar o excesso de argumentos, que pode prejudicar o raciocínio, quando inclui elementos desnecessários ou impertinentes (“um erro no silogismo também ocorre quando alguém demonstra algo mediante um processo mais longo, quando poderia empregar um processo mais curto” - Aristóteles, “Tópica”, 161b, 24-26);



dar maior clareza aos argumentos através de exemplos e comparações com realidades mais compreensíveis ao interlocutor (“é difícil argumentar se o que é proposto não é exposto com clareza” – Aristóteles, “Tópica”, 158a, 40-41);



os argumentos não podem ser menos plausíveis e convincentes do que a conclusão.



Para Michel Villey (cfr. “Filosofia do Direito”, Martins Fontes – 2003 – São Paulo), a dialética jurídica se desenvolveria de acordo com os seguintes passos:

seleção dos contendores - habilitação para o debate, pelo conhecimento técnico-jurídico (juizes, advogados e promotores);



fixação da controvérsia - qual o problema a ser resolvido (ponere causam), com sua delimitação (onde se quer chegar);



apresentação das opiniões - quais as fontes (lei, jurisprudência, doutrina) das opiniões (endoxai) e o grau de credibilidade dos autores invocados (autoritas);



argumentação - partindo de pontos de vista geralmente aceitos sobre o objeto da controvérsia, mostrar as virtudes e defeitos de cada opinião (audiatur et altera pars);



conclusão - decidir pela prevalência de uma ou outra opinião, mesmo que não se tenha a certeza de que seja a melhor (mas é a mais convincente): a dialética não é um enfrentamento, mas uma busca comum da verdade (a solução mais justa, ainda que imperfeita).



Verifica-se, por essa simples enumeração exemplificativa, a importância do estudo tanto das regras da lógica formal, quanto da dialética, para a melhor estruturação das decisões judiciais.

Mas como já se dizia anteriormente, também a retórica deve ser objeto de estudo da “Lógica Jurídica”. Chaïm Perelman, em suas principais obras – “Retórica e Filosofia” (1952), “Tratado da Argumentação” (1958), “Justiça e Razão” (1963), “O Campo da Argumentação” (1970), “O Império Retórico” (1977) e “Lógica Jurídica” (1979) –, destaca a importância da retórica jurídica como a arte da persuasão aplicada ao Direito (Razão Prática, num pragmatismo não desvinculado de valores): argumentação tendente ao convencimento do auditório (no caso, as partes contendentes), buscando selecionar os argumentos que mais sejam sensíveis para as partes que estão em litígio.

Finalmente, Theodor Viehweg, magistrado alemão e professor da Universidade de Munique, notabilizou-se pela sua tese “Tópica e Jurisprudência” (1950), baseada em Aristóteles e em Cícero, na qual propõe para a ciência jurídica a substituição do método lógico-dedutivo pelo método tópico.

A Tópica seria a técnica de pensamento centrada no problema a resolver (considerado como uma formulação aberta que permite mais de uma solução), sem preocupações teóricas, mas procurando esgotar todos os aspectos que devem ser enfrentados. Técnica especialmente utilizada para superar as aporias (argumentos sem saída) – método aporético –, partindo para outras linhas de argumentação, quando o impasse se apresenta numa delas (análise paralela de várias linhas de argumentação).

A Tópica parte do princípio de que cada linha de argumentação poderia encerrar parte da solução do problema (arte da invenção, com mentalidade criativa). Movimento circular que rediscute os vários enfoques. Escolhe premissas adequadas e fecundas à solução do problema (escolha arbitrária e casual), que seriam pontos de vista, que se materializam e aglutinam em linhas de argumentação, a que denomina tópicos – “topoi” (seriam indícios de solução que o próprio problema traz consigo). Trata-se de uma técnica especialmente adequada para ciências não perfeitamente afeitas ao método lógico-dedutivo. Os argumentos não precisam ser provados e demonstrados: basta que sejam aceitos e dêem uma solução para o problema que satisfaça (não se busca a “verdade”, mas apenas uma solução aceitável ao problema, que harmonize os interesses em conflito: seus conceitos são “importantes”, “defensáveis”, “admissíveis” ou não).

Os “Topoi” (“lugar” em grego; sentido de “lugar comum”) seriam pontos de vista (Gesichtspunkte) ou enunciados diretivos (Leitsätze) que se apresentam de forma variada e plural, sem uma organização rígida: catálogos provisórios de solução para o problema (equivaleriam aos princípios fundamentais de um sistema lógico-dedutivo). Seriam fórmulas de procura para a solução de um problema. Noções amplamente conhecidas e aceitas dentro da comunidade em que o problema surge, possuindo caráter persuasivo (noções-chave, de caráter consensual, v.g., como interesse público, in dubio pro reo, etc). São fios condutores do pensamento, mas sem organização lógica (conceitos abertos e mutáveis).

Como se pode observar da enumeração feita até aqui, a disciplina “Lógica Jurídica” alberga todas as facetas da estruturação do raciocínio, abrangendo quase que integralmente o espectro dos discursos aristotélicos (à exceção do discurso poético) e merecendo um aprofundamento, para se chegar a uma prestação jurisdicional de melhor qualidade.

3) Sistema Judiciário

Um dos objetivos maiores de uma Escola Nacional da Magistratura é dar uma visão de conjunto do Sistema Judiciário no qual está inserido o magistrado. O juiz é um agente político do Estado, como exercente do poder de dizer sobre o direito das partes em litígio, mas não é um agente isolado: está inserido dentro de um sistema articulado, com o qual deve ele funcionar harmonicamente (o que não significa perder a identidade própria ou abdicar da convicção pessoal, mas trabalhar conhecendo os mecanismos para o estabelecimento da solução dos litígios e composição das partes).

Até do ponto de vista de realização pessoal, é extremamente gratificante conhecer melhor a Instituição da qual se passa a fazer parte, como é o caso da Justiça do Trabalho, iniciando-se a atividade como magistrado com curso realizado nas dependências do órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, como no caso da ENAMAT, que funciona junto ao TST.

Com efeito, tanto a postura de auto-suficiência quanto a de incapacidade, como extremos que podem surgir no magistrado de 1ª instância quando se sente isolado, verdadeiro “franco-atirador”, que sai para fazer sua “guerra” em nome da “justiça” armado apenas de seu “bacamarte”, são repelidas, quando se sabe pertencendo a uma Justiça com a tradição e o aparelhamento que hoje conta o Judiciário Laboral, com sua Corte Suprema condignamente instalada, seus 24 Tribunais Regionais atuando de forma cada vez mais célere e suas 1.378 Varas do Trabalho capilarizando o acesso ao Judiciário Laboral.

Saber-se inserido num sistema é de suma importância para o magistrado, uma vez que suas decisões não são atos isolados: são passíveis de revisão, através do sistema recursal, e geram expectativa na comunidade jurídica, que transcende o caso concreto, para sinalizar, através da jurisprudência, quanto às soluções dos casos futuros, estabelecendo formas de comportamento nas relações sociais.

Conhecer os mecanismos de decisão nos Tribunais e de edição de súmulas de jurisprudência predominante (bem como as vicissitudes pelas quais passam as Cortes atoladas de recursos repetitivos sobre matérias já pacificadas), pode contribuir para aceitar melhor os posicionamentos sedimentados (pressuposta, é claro, a falibilidade inerente aos juízos humanos).

Saber-se inserido num sistema é de suma importância para o magistrado, uma vez que suas decisões não são atos isolados: são passíveis de revisão, através do sistema recursal, e geram expectativa na comunidade jurídica, que transcende o caso concreto, para sinalizar, através da jurisprudência, quanto às soluções dos casos futuros, estabelecendo formas de comportamento nas relações sociais.

Sem conhecer essas vicissitudes, é fácil se criticar as instâncias superiores e se rebelar contra elas, mas a visão de conjunto faz com que se perceba a integração do magistrado dentro do todo do Judiciário, devendo contribuir para a celeridade e segurança da prestação jurisdicional.

Em decisão anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04, já nos manifestávamos em relação à necessidade de um mínimo de disciplina judiciária, para dar segurança e celeridade à prestação juridicional, “verbis”:

“RECURSO DE REVISTA – QUITAÇÃO E HORAS EXTRAS – DECISÃO REGIONAL QUE DESPREZA OSTENSIVAMENTE AS SÚMULAS DO TST – DISCIPLINA JUDICIÁRIA.
1. A decisão recorrida, oriunda do 6º TRT, manifesta com todas as letras que não aplica as Súmulas nºs 330 (referente aos limites da quitação) e 340 (concernente aos limites da condenação em horas extras do comissionista) do TST, o que ensejou a interposição do presente recurso de revista.
2. Nosso sistema jurídico-processual não adotou, até o momento, o instituto da súmula vinculante, o que, entretanto, não dispensa o magistrado das instâncias ordinárias, por disciplina judiciária, de acolher o entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores (no caso, o TST e o STF). Também os pró-prios integrantes das Cortes Superiores, como conseqüência da sua participação em órgãos colegiados, não deixam de se submeter ao entendimento sedimentado pela maioria, fato que não representa nenhum desdouro intelectual, ressalvando eventualmente seu ponto de vista pessoal, mas não criando entraves à rápida solução das demandas judi--ciais.
3. Decidir contrariamente à jurisprudência sumulada das Cortes Superiores, quando não está em pauta direito humano fundamental desrespeitado pela própria lei interpretanda, importa em sobrepor a visão pessoal (por mais respeitável que seja) ao pronunciamento pacificador daqueles a quem o ordenamento jurídico-constitucional investiu como intérpretes máximos das normas legais do sistema, gerando falsa expectativa ao jurisdicionado, comprometendo a celeridade processual e a segurança jurídica, a par de onerar desnecessariamente quer a parte vencida, que terá de recorrer para fazer valer o entendimento sumulado, quer os órgãos jurisdicionais superiores, abarrotando-os com recursos sobre matérias já pacificadas.
4. Por mais que se abrace, como o fazemos, uma visão jusnaturalista do Direito, na esteira de mestres como Johannnes Messner e Michel Villey, para os quais a lei positiva, naquilo que contraria a lei natural, carece de legitimidade, não vinculando quer o cidadão, quer o julgador (v.g., quando admite o aborto ou a eutanásia), o certo é que o direito em debate no presente feito (limites da quitação e de cálculo das horas extras) não corresponde às normas primárias (ligadas diretamente à vida e liberdade), fundadas na natureza humana (núcleo mínimo que cabe ao Estado apenas reconhecer), mas a normas secundárias (todos os demais direitos), cuja força vinculante decorre direta (contrato) ou indiretamente (lei votada pelo sistema de democracia representativa) do princípio jurídico básico do “pacta sunt servanda”, esgrimido como fundamento último da ordem jurídica tanto por neocontratualistas (John Rawls, Ronald Dworkin e Jürgen Habermas) quanto neopositivistas (Norberto Bobbio e Niklas Luhmann).
5. Assim, o respeito e a aplicação, pelas instâncias inferiores, da jurisprudência sumulada pelas instâncias superiores constitui baluarte do Estado Democrático de Direito (pelo respeito à vontade da maioria e do órgão instituído para dar a palavra final sobre a matéria), elemento de viabilização do Sistema Judiciário (pelo desafogamento das instâncias superiores quanto a questões já decididas) e de democratização de acesso do jurisdicionado às instâncias superiores (fazendo com que as questões já pacificadas se capilarizem pelo sistema, desonerando a parte beneficiada da necessidade de palmilhar toda a “via crucis” recursal para obter o direito que os órgãos de uniformização e resguardo das normas constitucionais e federais já lhe reconheceram ao pacificar a “questio juris” debatida na ação).
Recurso de revista conhecido em parte e provido” (TST-RR 617.977/99, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, in DJ de 20/08/04).



Ronald Dworkin (n. 1931), em sua conhecida obra “O Império do Direito” (Martins Fontes – 1999 – São Paulo), desenvolve sua teoria da integridade aplicada ao fenômeno jurídico. Sua preocupação maior é com a segurança jurídica, diante da divergência existente na aplicação do Direito. O princípio da integridade coexistiria ao lado dos princípios da equidade e da justiça, como a necessidade de coerência do sistema (coerência entre princípios e prática): editar leis e aplicá-las judicialmente de forma integrada e não tópica, ainda que existam divergências quanto aos princípios de justiça e equidade (fundamenta a valorização dos precedentes jurisprudenciais).

Em sua visão, na balança dos valores “justiça” e “segurança jurídica”, este último deveria ser mais valorizado, pois não se pode estar perenemente rediscutindo as questões jurídicas, em busca de uma solução perfeita para o problema, deixando-se de ofertar uma solução que sinalize com segurança para a sociedade. A previsibilidade dos pronunciamentos do Judiciário para questões similares é uma das marcas fundamentais que deve ostentar a prestação jurisdicional.

Assim, compreender melhor como funciona o Sistema Judiciário como um todo torna-se elemento de primordial importância para aquele que ingressa na Instituição e começa a exercitar o munus público de dizer o direito.

4) Linguagem Jurídica

As decisões judiciais, como espécie do gênero atos



fonte: esmat13

Nenhum comentário:

ITANHAÉM, MEU PARAÍSO

ITANHAÉM, MEU PARAÍSO
Quanto vale ser feliz?

MARQUINHOS, NOSSAS ROSAS ESTÃO AQUI: FICARAM LINDAS!

MARQUINHOS, NOSSAS ROSAS ESTÃO AQUI: FICARAM LINDAS!

Arquivo do blog