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sábado, 15 de novembro de 2008

EQUIPARAÇÃO SALARIAL E O ITEM VI DA SÚMULA N. 6 DO C. TST

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.46, n.76, p.71-80, jul./dez.2007
Amauri Mascaro Nascimento*
* Professor titular da Universidade de São Paulo, docente da PUC de São Paulo e professor titular da Faculdades Metropolitanas Unidas.

1. A atual redação do item VI da Súmula n. 6 do TST abre caminho a
desvirtuamento do princípio constitucional dos incisos XXX e XXXI do art. 7º da Lei
Maior ao qual está condicionado o artigo 461 da CLT, conforme passa a ser
mostrado.
2. A importância do princípio da igualdade salarial é da maior relevância
como demonstra o seu acolhimento nas principais declarações no plano
internacional como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Tratado
de Versailles (1919), as Convenções n. 100 e 111 e Recomendação n. 90 da
Organização Internacional do Trabalho, o Pacto Internacional sobre direitos sociais,
econômicos e culturais da Assembléia Geral das Nações Unidas (1966), e a
Convenção sobre eliminação de discriminação da mulher, das Nações Unidas
(1979).

Foi acolhido pelas principais Constituições Sociais, como a do México (1917)
e a do Brasil, e no plano infraconstitucional de diversos países, exemplificando-se
com o direito nacional da Alemanha Federal (Lei de 13.08.1980), Bélgica (RD de
1975), Dinamarca (Lei de 1976), França (Leis de 1972 e 1983), Grã-Bretanha (Leis
de 1970, 1975 e 1983), Grécia (Lei de 1984), Holanda (Lei de 1975), Irlanda (Lei
de 1974), Itália (Lei de 1977), Luxemburgo (Decreto de 1974 e Leis de 1981 e
1983) e Argentina (Lei do Contrato de Trabalho).
Na Europa ganhou prioridade dentre todos os princípios que foram aprovados
pelas normas vigentes na Comunidade, como dogma a ser respeitado por todos
os países da região, incluído nos seus documentos mais importantes como a Carta
Social Européia (1961), o Ato Único Europeu (1987) e a Carta Comunitária dos
Direitos Sociais Fundamentais (1989).
Portugal (Código de 2002), que tem a legislação trabalhista mais atualizada,
assegura a igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição
entre trabalhadores de ambos os sexos, e ressalva que as diferenciações retributivas
não constituem discriminação se assentes em critérios objetivos, comuns a homens
e mulheres, sendo admissíveis, nomeadamente, distinções em função do mérito,
produtividade, assiduidade ou antiguidade dos trabalhadores.
No Brasil, a Constituição Federal de 1934, no art. 121, § 1º, “a”, já declarava:
“proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade,
sexo, nacionalidade ou estado civil.”
O legislador passou a proibir a desigualdade de tratamento não só em razão
do sexo ou nacionalidade, mas também por força de idade e estado civil. A
Constituição de 1937 o omitiu, a de 1946 o restabeleceu, mantendo-o a de 1967,
para ampliá-lo a de 1988 (art. 7º, XXX e XXXI) ao proibir “diferença de salários, de
exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou
estado civil”, ou, ainda, por ser o trabalhador portador de deficiência.

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Incorporou-se, assim, aos sistemas jurídicos como um dos princípios
basilares do Direito do Trabalho revalorizado no período contemporâneo como
parte das medidas do Direito do Trabalho visando à proteção da dignidade do ser
humano e da igualdade que desde a Revolução Francesa é reconhecida como um
dos parâmetros da cultura jurídica.
Nasceu com uma finalidade principal: combater a discriminação no trabalho,
limitando-se, no início, à situação da mulher e à inferioridade salarial diante do
homem pelo exercício da mesma função.
Com efeito, as primeiras leis que dispuseram sobre a matéria restringiamse
a vedar a discriminação salarial em razão do sexo, mas foi manifesta a sua
extensão a outras situações e não mais apenas à discriminação salarial em razão
do sexo. Outros fatores passaram a ser considerados: a nacionalidade, o estado
civil, a idade, a cor, a deficiência física, etc.
3. Na sua construção dogmática contemporânea, a equiparação salarial,
que decorre da igualdade entre dois empregados no exercício da função
considerados outros fatores, pressupõe, no caso concreto, um ato de discriminação
do empregador que é por preconceito contra alguém e que o leva a diferenciar o
tratamento trabalhista que a essa pessoa é dispensado de modo injustificável, e a
possibilidade de confrontação entre as duas pessoas, a discriminada e o paradigma,
sem o que, pela ausência de simultaneidade na prestação de serviços, não há que
se falar de discriminação.
É óbvio que, se um fato ocorreu no passado quando dois empregados ao
mesmo tempo trabalhavam na empresa, a confrontação ou comparação é possível,
mas, se uma das duas pessoas não se acha mais no emprego, e entre ela e o
reclamante não houve simultaneidade no trabalho, fica prejudicado o confronto
porque não é possível cogitar-se de discriminação quando alguém é e outra pessoa
não é, simultaneamente, empregada da mesma empresa na mesma função.
4. Evoluíram os estudos sobre a igualdade. Transformaram-se no estudo
das desigualdades justificáveis.
Amartya Sen, em Desigualdade reexaminada, ensina que a idéia de
igualdade nos põe diante da heterogeneidade básica dos seres humanos, sem a
qual não é possível verificar desigualdades, e a multiplicidade de variáveis ou fatores de comparação.
A escolha da variável, entre as diversas que podem ser escolhidas, préordena
a discussão e altera a conclusão. A igualdade, na perspectiva de uma
variável, pode não coincidir com a igualdade sob outra escolha de avaliação, assim
como as avaliações da mesma variável podem ser diferentes segundo os valores
de cada pessoa.
A igualdade é um exercício de comparação. Mede-se algum aspecto
específico de uma pessoa com o mesmo aspecto de outra pessoa. Duas pessoas
podem ser desiguais em um aspecto, mas iguais, se é que isso é possível, em
outro. Assim, também, as sociedades, as normas éticas e o direito positivo. Vê-se,
logo, que o estudo da igualdade é a verificação das desigualdades.
E existem variáveis de comparação. Vão desde as circunstâncias internas
de uma pessoa, como a retidão moral, a saúde, os méritos pessoais, o amor ao

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próximo, até as circunstâncias externas como as rendas, a riqueza, o patrimônio e
assim por diante.
Por exemplo, a igualdade de felicidade pode estar associada a graus
diferentes de avaliações de cada pessoa. Pessoas com riquezas iguais podem
coexistir com graus de felicidade bem diferentes.
Mas toda teoria ética dos ordenamentos sociais que seja plausível tende a
exigir a igualdade em algum espaço (Sen).
Assim, o estudo da igualdade salarial deve partir da verificação, em cada
caso concreto, das desigualdades justificáveis.
É o que está em consonância, também, com a Convenção n. 111 da OIT
que, ao conceituar a igualdade, ressalva que os casos justificáveis desautorizam a
aplicação do princípio.
5. No entanto, a sua aplicação, em certos casos, vai além dos seus limites
extrapolando a sua função e a finalidade para a qual nasceu como desdobramento
do princípio maior da igualdade de todos perante a lei e do princípio do combate à
discriminação.
A CLT mostra a necessidade da verificação em cada situação não apenas dos
aspectos objetivos da disparidade salarial entre reclamante e paradigma, mas, também,
os fatos e as razões que levam à desigualdade e que podem desautorizar o direito
à igualdade salarial, apesar de preenchidos os requisitos objetivos do art. 461.
Tanto é assim que não há direito à equiparação salarial quando, embora
idêntica a função, a produtividade e a perfeição técnica, a disparidade resulta do
fato de o trabalhador ter sido readaptado em nova função, por motivo de deficiência
física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social (CLT, art.
461, § 4º).
Na mesma diretriz se põe o item VI da Súmula n. 6 do TST. Exclui o direito
de equiparação quando a desigualdade salarial é decorrente de vantagem pessoal
auferida pelo paradigma, embora estejam presentes, na comparação entre os dois
empregados, todos os pressupostos exigidos pelo art. 461 da CLT.
6. Mas não só essas duas situações, a do trabalhador readaptado e a do
empregado com vantagens pessoais, devem ser excludentes do direito, o que nos
leva a refletir sobre o mesmo item VI da Súmula do TST n. 6.
Declara, também, que “é irrelevante a circunstância de que o desnível salarial
tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma”, o que tem dado
margem a interpretações em casos nos quais não há discriminação, não houve
possibilidade de confronto direto dos dois empregados - o que ganha mais e o que
ganha menos - e a desigualdade salarial é plenamente justificável porque destituída
de qualquer ato de preconceito contra um trabalhador.
A redação completa do item VI é a seguinte:
VI - Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a
circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial
que beneficiou o paradigma, exceto se decorrente de vantagem pessoal ou
de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior. (ex-Súmula
n. 120 - Res. 100/2000, DJ 18.09.00).
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7. Se de mim dependesse, seria a seguinte:
VI - Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a circunstância
de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o
paradigma, exceto se decorrente de vantagem pessoal, de tese jurídica
superada pela jurisprudência de Corte Superior, desde que tenha havido
confronto direto entre o trabalho executado pelo equiparando e o paradigma
do ora equiparado e, em qualquer caso, sempre que ocorrer discriminação.
Os motivos que nos levam a essa sugestão resultam de alguns casos
decididos perante os Tribunais do Trabalho.
E nesta altura passamos a nos valer da casuística da vida das empresas
que, quando não é conhecida, pode levar à compreensão equivocada da realidade
e se desconsiderada levará o juiz a um mau julgamento.
8. Suponhamos que Joaquim, contínuo que presta serviços a instituição
financeira mediante salário de R$500,00, obteve, em razão de revelia, equiparação
salarial a Jordano, único gerente regional daquela empresa e detentor do salário
de R$8.000,00. É notório que Joaquim não exercia as mesmas atividades que
Jordano. No entanto, para aquele processo, em razão da revelia, ficou declarado
que ambos deveriam receber o mesmo salário.
Imaginemos agora que Manuel, também contínuo, ajuíze demanda
pleiteando equiparação salarial com Joaquim e a aplicação dos efeitos do item VI
da Súmula n. 6 do C. TST. Com efeito, se partirmos da atual redação da referida
Súmula, bastará Manuel fazer prova de seu direito com Joaquim para alcançar os
elevados ganhos de Jordano, sem ter que, a qualquer tempo, fazer prova de
identidade de funções em relação a este último, topo da cadeia equiparatória.
Por esse absurdo, mas plausível exemplo, chega-se à equivocada conclusão
de que todo e qualquer contínuo que provar identidade de função com Joaquim ou
Manuel fará jus aos proventos daquele gerente regional (Jordano), tão-somente
em razão da revelia ocorrida em um único processo porque, segundo o item VI, “é
irrelevante a circunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão
judicial que beneficiou o paradigma”.
No caso anteriormente exposto a coisa julgada ocorrida no processo em
que Joaquim obteve identidade salarial com Jordano passará a servir,
indistintamente, de base para novos pleitos da mesma natureza, sem que se torne
necessário requerer prova da identidade com o topo da cadeia equiparatória.
Trata-se, na realidade, de verdadeiro desrespeito à regra contida no artigo
472 do CPC, dispositivo que prevê a impossibilidade de a coisa julgada se estender
a terceiros, seja para prejudicá-los ou para beneficiá-los.
O que nunca se pode perder de vista é que, se é fato que o desnível salarial
oriundo de decisão judicial não obsta a equiparação, fato é que o preenchimento
dos requisitos do artigo 461 da CLT deve se dar em relação a todos os paradigmas
da cadeia equiparatória.
Interpretar esse dispositivo de modo diverso levará ao reconhecimento de
equiparação salarial entre pessoas que nunca trabalharam no mesmo local, nunca tiveram
a mesma produtividade, perfeição técnica, ou, ainda, nunca tenham se conhecido.
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9. Imagine-se em outro exemplo. Um empregado chamado José que
desempenhava suas funções há quatro anos e que é apontado paradigma em
reclamação movida por João que vinha exercendo as mesmas atividades há dois
anos e dois meses. Nesse caso, diante da impossibilidade de se argüir, como fato
impeditivo do direito do autor, a diferença de experiência na função, haja vista não
ser ela superior a dois anos, o pedido de equiparação de João é deferido.
Ciente desse fato, um outro reclamante, de nome Júlio, que exerce a mesma
função dos dois acima referidos, há apenas seis meses, ajuíza reclamação
postulando equiparação com João e não com José. Mais uma vez o pedido é
deferido em razão da impossibilidade de se argüir, como fato impeditivo, a diferença
de experiência na função porque não é superior a dois anos.
Prevalecendo a aplicação indiscriminada do item VI da Súmula n. 6 do TST,
tem-se que Júlio, ao se equiparar a João, conseguiria, também, igualar o seu salário
ao de José, não obstante este último tenha três anos e seis meses de experiência
na função a mais do que aquele.
10. Outra situação é a seguinte: Mário pediu equiparação salarial a Antônio,
empregado readaptado, e o pleito foi indeferido transitando em julgado tal decisão.
Cláudia, colega de trabalho e ocupante do mesmo cargo de Mário, em razão de
processo mal instruído pelo empregador, obteve êxito em pleito idêntico,
equiparando seu salário ao de Antônio. Mário, ao ter conhecimento do resultado
obtido pela colega, ajuíza nova reclamação trabalhista com pleito equiparatório,
porém agora apontando Cláudia como modelo, utilizando como fundamento legal
o indigitado item VI da Súmula n. 6 do TST.
Significa dizer que Mário, dessa forma, obteve nova possibilidade de buscar
provimento jurisdicional sobre matéria já sepultada pela coisa julgada, na medida
em que, de forma indireta e por via transversa, utilizar-se-á de Cláudia para alcançar
o salário de Antônio.
11. As situações acima descritas parecem surrealistas, mas acontecem
apesar da inexistência de um confronto direto, mas indireto e por todas as razões
insuficiente, em escala que se reproduz com um número sucessivo de processos
de equiparação salarial, cada qual com provas diferentes, declarações de diversas
testemunhas e muitas vezes testemunhas que são os próprios interessados, na
medida em que o reclamante em um processo é testemunha ou paradigma em
outro e assim em diversos casos.
Em suma, a atual redação do item VI da Súmula n. 6 do TST permite o
deferimento da equiparação salarial em casos nos quais não há identidade de
função ou trabalho de igual valor, desvirtuando-se, assim, a finalidade da norma
que é evitar discriminação.
Discriminação que também não se verifica em outras tantas ocasiões quando
a disparidade salarial resulta de sucessão de contratos trabalhistas em razão de
alterações societárias, de incorporação, fusão e aquisição.
12. Duas questões mais podem ser discutidas.
Primeira, saber se, ao adquirir o controle de outra empresa e dela trazendo
ou para ela levando alguns empregados que exerciam funções com salários
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superiores, os empregados, tanto de uma como de outra, que passaram a trabalhar
lado a lado, exercendo as mesmas funções, podem ter mantidos os salários
diferentes que antes da fusão eram pagos?
Os efeitos desequilibradores que poderiam vir de um pleito de equiparação
e suas repercussões em cadeia podem levar os padrões salariais de uma empresa,
a adquirente, a se elevarem aos da outra empresa, a alienada, e que por pagar
salários acima do mercado não encontrou outra alternativa a não ser vender o seu
controle para a iniciativa privada.
A avaliação dessa questão deve ser feita com indagações como as seguintes
sobre a disparidade salarial: a) é resultante de preconceito?; b) foram causadas
por discriminação entre dois trabalhadores, o da empresa alienada e o da alienante?;
c) é uma situação de desigualdade justificável?; d) enquadra-se nas exceções da
Convenção n. 111 da OIT?
Se as respostas forem: a) não houve preconceito; b) não resultaram de
propósitos discriminatórios, mas de um fato objetivo, a aquisição de uma empresa
por outra; c) é uma situação de desigualdade justificável; d) enquadra-se nas
exceções da Convenção internacional sobre o tema que excluem o direito de
equiparação salarial.
Além desse aspecto jurídico, outros devem ser considerados, dentre os
quais o equilíbrio que deve haver entre o social e o econômico, uma vez que o
Direito do Trabalho tem por fim proteger o trabalhador, mas leva em conta também
os interesses da gestão empresarial e da economia do país.
13. O Direito do Trabalho não é e nunca foi um entrave ao desenvolvimento
econômico e sua atuação dispensa uma tutela ao trabalhador para que não seja
absorvido pelo processo econômico, preservando, no entanto, o imperativo do
desenvolvimento das civilizações.
Quando o desnível salarial origina-se de sentença judicial, nunca será demais
verificar o contexto em que o caso se insere para que todos os aspectos
circunstanciais sejam avaliados a fim de que o princípio da não discriminação
continue presidindo a solução das contínuas questões que as mutações constantes
do processo produtivo vêm apresentando principalmente na modernidade.
Essa diretriz, que procura as causas do direito de equiparação salarial,
situando-as na esfera da discriminação, é a que nos parece coerente com as origens
e finalidades do princípio.
Pondo-se a questão, como deve ser feito, sob a perspectiva da discriminação,
o que se deve ver, em cada caso concreto, é se a disparidade salarial resulta ou
não de preconceito, no primeiro caso sendo devidas diferenças salariais, no segundo
caso sendo indevidas essas diferenças.
Em outras palavras, pleito de equiparação salarial não deve ser examinado
exclusivamente em seus aspectos objetivos restritos aos requisitos estabelecidos
pela lei, sem outros cuidados, porque, antes dessa verificação, cumpre indagar
qual é a finalidade da regra legal.
O direito de equiparação salarial não foi feito para situações como a descrita,
pois o seu fim é evitar a discriminação num dos seus aspectos, o salarial.
14. Pode-se mesmo dizer que discriminação salarial é espécie pertencente
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ao gênero maior da proibição da discriminação, de modo que os fundamentos
desta são obrigatórios naquela.
É o que fica claro com as observações do consagrado Mário de La Cueva,
em Derecho Mexicano del Trabajo (1960), ao comentar o direito do seu país, um
dos primeiros a incluir o princípio da igualdade salarial, nos seguintes termos:
Suponhamos que um patrão outorga a um trabalhador um salário por motivo
de amizade, parentesco ou outro semelhante: a lei proíbe que a outro
trabalhador seja pago um salário menor ao mesmo tempo...
A defesa legal das mulheres e dos menores constituiu uma parte importante
da regulamentação do trabalho, desde as suas origens, com o objetivo de evitar a
substituição da mão-de-obra masculina pela feminina com menores ônus para o
empregador (v. meu Curso de Direito do Trabalho, item 6, A indignidade das
condições de trabalho subordinado).
Ora, se o pressuposto do princípio da paridade salarial é o enfrentamento
da discriminação, a sua raiz não pode estar do mesmo desvinculada.
15. Que é discriminação?
Discriminação (Convenção n. 111, da Organização Internacional do Trabalho)
é toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião e
estado civil com o propósito de impedir iguais oportunidades, não se configurando
quando há justificações para a diferença de situações entre empregados.
Se não há intenção de discriminar nem preferência por um empregado em
detrimento de outro e se o motivo da desigualdade salarial é a preservação de
empregos e não discriminar salários, o princípio da igualdade salarial não se aplica.
Não são discriminatórias diferenças salariais quando a sua causa, clara e
demonstrável, é a aquisição de uma empresa por outra com padrões salariais
diferentes.
Primeiro, porque os salários do pessoal da empresa incorporada não foram
fixados pela adquirente, uma vez que já o haviam sido pelo respectivo empregador
antes da incorporação, como, também, os padrões remuneratórios do quadro de
pessoal do incorporador foram definidos muito antes da incorporação, o que afasta,
liminarmente, a possibilidade de se afirmar que houve valores salariais introduzidos
com o propósito de discriminar empregados.
Logo, não é a adquirente que fixou salários divergentes porque cada uma
das empresas estabeleceu os seus padrões salariais, o que afasta, definitivamente,
a intenção discriminatória, uma vez que os salários dos paradigmas sequer foram
fixados pelo incorporador, e os salários dos empregados deste estavam já
determinados antes da incorporação.
Segundo, porque não se configura o propósito de discriminar salários quando
eventuais desníveis de valores surgem não por iniciativa de um empregador em
relação aos seus respectivos empregados, o que não houve, mas por força de
uma circunstância superveniente e ocasional, o negócio jurídico do qual resultou a
aproximação entre duas empresas antes autônomas e independentes que mantêm
padrões salariais originariamente diferentes, aspecto que por si afasta a
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possibilidade de cogitar-se de um ato premeditado de preconceito, pois tudo surgiu
circunstancialmente.
Terceiro, porque, quando uma empresa adquire outra que tem padrões
salariais diferentes, para equipará-los terá quatro alternativas: a) rebaixar os padrões
salariais vigentes na empresa adquirida, o que esbarra na proibição da lei, o art.
448 da CLT, segundo o qual a alteração na propriedade da empresa não afetará os
contratos individuais de trabalho; b) elevar os padrões salariais da sua empresa, o
que pode provocar uma situação de desequilíbrio financeiro em detrimento da
normalidade dos seus negócios; c) despedir empregados obstativamente para evitar
os efeitos da equiparação salarial em empresas diferentes.
Desse modo, dois efeitos jurídicos inconfundíveis, e que não podem ser
mesclados, um efeito protetor dos contratos individuais de trabalho dos empregados
da adquirida, para que não sejam afetados pela mudança na propriedade ou
alteração do grupo de empresas, outro, de natureza ético-legal, a não discriminação
dos empregados da adquirida, redirecionam os atos da empresa para diferentes
atitudes, uma a de não reduzir salários, outra a de não despedir empregados,
outra, ainda, encontrar soluções dentro do ordenamento jurídico, como neste caso.
A incorporação é um fato superveniente na vida das empresas. Nada tem
que ver com os padrões salariais pelas mesmas adotados na sua origem e pelos
respectivos proprietários. Na aquisição de uma empresa por outra, o dever da
adquirente é respeitar os contratos individuais de trabalho dos empregados da
adquirida, por força do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 448,
de acordo com o qual mudança na propriedade da empresa não afeta os contratos
de trabalho dos respectivos empregados, mas não o dever de elevar os salários
dos seus próprios empregados aos patamares de outros que prestavam ou prestam
serviços na adquirida.
A circunstância de empregados, antes em empresas diferentes, passarem,
com a nova situação, a atuar lado a lado, numa só e mesma empresa, exercendo
a mesma função, porém, com diferentes condições contratuais de trabalho,
especialmente salariais, pode criar um problema administrativo para cuja solução
as empresas devem ter o cuidado de não prejudicar os trabalhadores, o que as
leva, inevitavelmente, a preservar as duas estruturas salariais ou, ao introduzir
medidas administrativas que, respeitando direitos, evitem a confusão dos contratos
de trabalho. Para que o direito de equiparação exista cumpre estarem presentes
não só os requisitos do artigo 461 da CLT, mas, também, o pressuposto básico que
fundamenta a isonomia, que é evitar discriminação.
Eventuais deslocamentos e ajustes funcionais são inteiramente admissíveis
numa situação como a que resulta da aquisição de uma empresa por outra, e
podem ser fundados na cláusula rebus sic stantibus, reconhecido ao empregador
o jus variandi que pode ser enunciado como o direito do empregador, em casos
excepcionais, de alterar, por imposição e unilateralmente, condições de trabalho
dos seus empregados.
Por tal razão, funcionários da empresa incorporada, transferidos para funções
na adquirente, não devem servir de paradigmas para ações de diferença salarial
por equiparação, pleiteadas pelos empregados da adquirente, por falta de causa
jurídica legítima que fundamenta o direito a essas diferenças, que é o ato
discriminatório do empregador.
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Acrescente-se que, ainda que se queira aplicar objetivamente os requisitos
do art. 461 da CLT, há que se concluir que não se configura a tipologia legal diante
do não preenchimento de um deles, que é, sob certa perspectiva, o mesmo
empregador. A exigência do trabalho prestado ao mesmo empregador como requisito
para a equiparação salarial deve ser avaliada também em função da duplicidade
de empresas autônomas com seus respectivos padrões salariais, como no presente
caso. Ao tempo em que os salários foram fixados, paradigmas e demais empregados
não prestavam serviços para o mesmo empregador.
A equiparação se dá entre empregados da mesma empresa e não entre
empregados de empresas diferentes, o que permite levantar, como tese, a ausência
de pressupostos legais para que se efetive quando os paradigmas são oriundos
de empresas diferentes, argumento que não fica prejudicado sob a alegação da
sucessão de empresa. É que, ainda que houvesse sucessão, esta obriga o sucessor
a assumir o ativo e o passivo do sucedido, e não a equiparar os salários dos seus
empregados com os valores atribuídos pelo sucedido ao seu pessoal.
16. O outro pressuposto da equiparação, a possibilidade de confrontação
ou comparação entre os dois empregados, o reclamante e o paradigma, não tem
importância menor. Talvez até maior do que o pressuposto da discriminação no
caso concreto.
Resulta de um conceito incorporado aos estudos da equiparação salarial: a
simultaneidade na prestação de serviços.
Simultaneidade na prestação de serviços é, também, requisito para a
equiparação salarial. Significa que a contemporaneidade no exercício das funções
idênticas se faz imperiosa para que os salários sejam equiparados.
Para alguns autores, basta que tal ocorra por ocasião do ajuizamento da
ação, uma vez que pode a empresa, tão logo proposta a ação judicial, separar os
trabalhadores de seção para fraudar o pedido de equiparação.
Portanto, se, quando da propositura da reclamação, ambos os empregados
exerciam idênticas funções, é o quanto basta, para alguns autores, a fim de que
seja cumprida a exigência da simultaneidade.
Orlando Gomes frisa que o mesmo trabalho, executado sucessivamente
por dois trabalhadores, não obriga ao pagamento de salário igual. Para Russomano,
embora a lei não se tenha referido a esse requisito, ele é considerado essencial. A
equiparação de salário pressupõe o confronto de produtividade, qualitativa e
quantitativa, entre o que recebe mais e o que recebe menos. Esse confronto só
será possível e correto uma vez que os empregados estejam em serviço,
simultaneamente. Catharino observa que o empregado, para fazer jus à
equiparação, deve estar trabalhando ao tempo em que aquele a quem se quer
igualar também está. Essa restrição temporal está em sintonia com as limitações
acolhidas por lei.
Função não é o mesmo que cargo. É o que, efetivamente, o empregado faz,
executa, o conjunto de atos que pratica no cargo que lhe foi confiado, e não há
como comparar funções entre empregados em atividade e empregados em
inatividade porque, simplesmente, estes últimos, embora tendo o cargo, não se
acham, como durante os afastamentos, no exercício de funções, o que compromete
a equiparação.
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As mesmas razões impedem o atendimento à exigência da simultaneidade
na prestação de serviços porque, se um empregado está afastado do emprego,
em gozo de licença previdenciária ou para tempo livre destinado a exercício de
representação sindical, e outro está em atividade, comprometida, também, fica,
desde logo, a simultaneidade que pressupõe duas ou mais pessoas exercendo,
efetiva e concomitantemente, a mesma atividade funcional.
Situações como as descritas não aconteceriam se o item VI da Súmula n. 6
do TST explicitasse que a equiparação salarial tem como pressupostos a
discriminação de um empregado e a exigência de confronto direto de situações,
situações que têm por finalidade evitar a criação de cadeias equiparatórias eternas
e infindáveis entre pessoas que nunca trabalharam juntas, nunca tiveram mesma
produtividade e perfeição técnica ou, ainda, nunca tenham se conhecido.


fonte: http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Amauri_Nascimento.pdf

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MARQUINHOS, NOSSAS ROSAS ESTÃO AQUI: FICARAM LINDAS!

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